Web Store e Back-Office, a possibilidade de junção

Este texto tem a finalidade de explicar as razões da separação dos sistemas de Web Store (WS) e Back-office (BO) usados nas transações comerciais não presenciais, assim como suas conseqüências em termos usabilidade e custo operacional. Com um pouco de ousadia, o texto coloca em discussão a permanência das condições que, de alguma forma, obrigaram estas duas peças de software a conversaram através de complexas mediações e, como conclusão, aborda a possibilidade da junção deles como uma oportunidade de negócio.

1. O que faz a Web Store

Em geral, WS executa três serviços básicos: a captura do pedido, o controle da autenticação dos meios de pagamento e o pagamento propriamente dito, embora, em algumas configurações, algumas grandes lojas transfiram o controle da autenticação e o pagamento para o BO. Esta é a fase virtual de venda no sentido em que não envolve qualquer manuseio e transporte de mercadoria.

2. O que a WB não faz?

O atendimento físico da mercadoria compõe-se de cinco conjuntos de atividades integradas abaixo descritas:

Comercial Log. Interna Log. Externa SAC Financeiro
Gerir Estoque Receber Manter Tabelas de Frete Devoluções Ctas a Receber
Comprar Armazenar Monitorar entregas Cancelamentos Ctas a Pagar
Controlar estoque Separar Auditar despesas c/frete Atender clientes Fluxo de Caixa
Processar Pedidos Expedir Contabilidade
Reservar estoque Caixa & Bancos
Faturar

3. Por quais razões WB do BO são softwares separados?

Quando do surgimento do comércio eletrônico no Brasil, acreditava-se que os ERP tradicionais fossem capazes de suportar as operações do comércio eletrônico. A única diferença seria a forma particular de captura dos pedidos de venda. Na época, o pequeno volume de vendas ainda permitia que as exceções fossem tratadas manualmente.

A inadequação dos ERP como BO começaram a ser notadas a partir do aumento do nível de atividades, da diversificação da oferta, da precariedade dos serviços de transporte e da obrigatoriedade do cumprimento da lei do consumidor.

Uma segunda razão prende-se a uma mudança tecnológica. Enquanto a construção da WS impunha técnicas de projeto e desenvolvimento orientadas para Web, o BO tinha sido desenvolvido com orientação cliente-servidor. Estes dois mundos, separados por diferentes tecnologias, eram compostos por profissionais dotados de conhecimentos complementares.

Uma terceira razão deve-se aos propósitos funcionais dos sistemas. O mundo da WS está voltado para a interface com o cliente (experiência de compra), ao desempenho (suportar dezenas de milhares de visitantes simultaneamente) e altíssima disponibilidade, portanto, muito especializado e, sobretudo, crítico. O mundo do BO, diferentemente, exige o conhecimento integral de um processo muito amplo, compostos por inúmeras atividades responsáveis pelas funções comerciais, financeiras e logísticas.

Uma quarta razão que pode ser considerada como decorrente das demais: por serem dois sistemas separados, por precaução, o servidor e banco de dados deles não era o mesmo, além disso, nem sempre coincidiam o sistema operacional e o fabricante de banco de dados. Obviamente, isso acentua a diferenciação do perfil profissional.

4. Uma vez nascidos separados, por qual razão a divisão se perpetuou?

 Para responder a esta pergunta é necessário considerar o ambiente de negócio. O Brasil tem marcantes particularidades para realizar transações comerciais:

  1. A tributação é muito complexa (somente agora a já inextrincável legislação do ICMS foi regulamente para a prática do varejo eletrônico);
  2. Os prazos de entrega prometido pelos fornecedores nem sempre são cumpridos;
  3. O transporte de encomendas ainda está se estabilizando.

Disso resultou BO específicos abrangentes e superdimensionados em suas funções de controle operacional (do fornecimento à entrega), diferentemente do que ocorre em outros países. Resumindo, um BO que roda no Brasil, com poucos ajustes, pode rodar em outros países, mas a recíproca está longe de ser verdadeira.

5. WS: porta de entrada para o mercado

A primeira visão que se tem ao pensar em varejo eletrônico é que basta uma WS. Mesmo que haja consciência de que há muitas atividades até a mercadoria chegar ao cliente, poucos resistem ao argumento de reduzir riscos: “alugo um site e se não der certo, desisto sem gastar muito”. Este modo de pensar fez a festa dos produtores de site.

O aluguel de WS tem tido imenso sucesso, porém a continuidade dele, na forma em que é hoje realizada, não é uma certeza. Para tanto, basta notar a trajetória decrescente de da cobrança dos serviços ao longo do tempo:

  1. Percentual sobre o faturamento – proibitivo a partir de determinado nível de atividade e com justificativa pouco clara;
  2. Tarifação por acesso independente da conversão – mais fácil aceitação, porém muita gravada devido à baixa taxa média de conversão do mercado brasileiro;
  3. Gratuito com limite de itens e pedidos: muito recente, esta forma de indução ao comércio eletrônico.

Não é um absurdo pensar na oferta de WS apenas precificada pelo custo de uso, variável segundo da utilização de recursos de banda e armazenagem.

Normalmente, ao vender, os produtores de WS se omitem em relação às exigências decorrentes do sucesso do lojista (basicamente, o aumento do nível de atividade). A rigor, dificilmente poderia ser de outra forma, pois, caso os vendedores discorressem sobre este cenário, o investimento inicial dos lojistas seria bem maior, além de terem que se defrontar com severas mudanças organizacionais. Certamente, este discurso afugentaria o cliente.

6. Quais as conseqüências de se contar apenas com a WS?

A ausência de barreiras de entrada neste mercado é a causa da alta taxa da precocidade da mortalidade das lojas virtuais. A quantidade de lojas abrigadas em grandes hospedeiros (são os que cobram os menores preços) tem se mantido relativamente constante ao longo do tempo, porém com alto índice de desistências, ou seja, com igual quantidade de entrantes. Sabemos o quanto é doloroso perder capital e o tempo de trabalho, mesmo que em pequeno valor.

Em caso de sucesso, o lojista se depara com a necessidade de contar com uma infra-estrutura administrativa que suporte um volume de vendas crescente, inclusão de novas categorias, especialização das categorias preexistente etc. Caso desconheça imposição, ele não terá condições de colher o fruto das sementes que plantou. Justamente neste estágio de desenvolvimento que muitos lojistas se conscientizam da necessidade de contar com o instrumental de um BO, tendo que incidir em novos investimentos, treinamento, significativa mudança de seus processos internos, aquisição de colaboradores com perfil adequado etc. Tudo teria sido mais fácil de suportar caso tivesse sido planejado e não uma surpresa.

7. O difícil convívio entre WB com BO

  
a. O custo da integração de sistema é muito alto

O mais alto deles é a manutenção das conexões. Como o comércio eletrônico tem sua dinâmica dependente da tecnologia e das novas possibilidades de comercialização por ela fomentadas, as alterações operacionais são muito comuns. Não raro, elas transcendem o âmbito dos sistemas tomados isoladamente, gerando a necessidade de ajustes entre os fornecedores dos sistemas. Para esclarecer, segue uma lista de conexões:

  • BO para o WS: SKU a serem ainda “produzidos” (foto, descrição técnica etc., em geral, são atribuições da WS); disponibilidade de estoque; vales a serem usados como meio de pagamento; pedidos para recuperação de venda e tracking dos pedidos em curso de atendimento.
  • WS para o BO: pedidos de venda
b. Investimento inicial e manutenção

Outro custo importante advém da negociação com dois fornecedores que tentam maximizar individualmente suas receitas. O preço final, dificilmente, seria menor do que negociar com apenas um que envolvesse os dois sistemas.

c. Redundâncias de dados

Há muitas informações redundantes. Toda redundância requer controle a fim de impedir contradições gerando custos adicionais de processamento e armazenamento. Alguns exemplos: cliente, pedido, estoque, itens e vales.

d. Redundâncias funcionais

Várias operações com o mesmo propósito são realizadas tanto por um sistema como por outro exigindo a coerência entre suas lógicas de processamento. Qualquer mudança causa grande perturbação. Alguns exemplos: controle de estoque, manutenção do arquivos básicos e geração excepcional de pedidos (troca, devolução ao fornecedor e reposição por sinistro).

e. Responsabilidades divididas

Em caso de erro no processo de venda, nem sempre é fácil identificar precisamente a causa visto que o processo está dividido entre sistemas de diferentes fornecedores. É natural que a primeira desconfiança de um fornecedor é que o erro tenha sido de outro com o lojista no meio deles.

f. Dificuldade no controle de fluxo do pedido de venda

Controlar o fluxo integral do pedido, da captura à entrega, é imprescindível. Como o pedido percorre sistemas diferentes em seu ciclo de vida, torna-se mais trabalhoso obter informações sobre seu estado de atendimento para efeito de controle e informações aos clientes.

g. Subutilização de cada um dos sistemas

Sistemas de diferentes fornecedores integrados por interfaces usam apenas os recursos que eles têm em comum, ou seja, as características especiais de um deles inexistente no outro não poderão ser usadas. Isso reduz a potencialidade de uso de cada um deles.

h. Dificuldade em aproveitar novas versões

Quando se integra sistemas de fabricantes diferentes há sempre risco na instalação de nova versão de um deles. Por vezes, a nova versão pode conter alterações que impliquem mudanças nas interfaces em formato ou conteúdo.

i. Defasagem das informações

São raras as integrações em tempo real, principalmente pelo risco de queda na conexão entre os sistemas resultar processos pendentes. A maioria da troca de informações entre os sistemas é feita por chamadas com transferência de dados em bloco, com isso, as informações comuns aos sistemas estão sempre defasadas.

8. Exigências para operar o BO

Para o varejo de porte médio, a operação de um BO integrado tem sido uma novidade. Vale a pena um breve lembrete do preço a se pagar pela automação do processo de atendimento físico integral dos pedidos capturados pelo WS (há vasta literatura a respeito).

Antes de tudo, há uma exigência cultural. O processo de trabalho passa a ser imposto pelo sistema, exigindo muita disciplina e alteração do perfil dos colaboradores e drástica redução das exceções. Quem precisa de alta produtividade tem que “andar nos trilhos”.

É preciso contar com conhecimentos administrativos básicos para o entendimento do funcionamento do sistema. As dificuldades normalmente encontradas estão relacionadas ao entendimento dos seguintes assuntos: fluxo operacional do pedido de venda (incluindo a reversa e cancelamentos), controle e gestão do estoque, controle e gestão financeira, tributação implícita nas transações com fornecedores e clientes.

9. Considerações finais

Seguem algumas proposições a cerca de possíveis tendências de mercados:

  1. O comércio tende naturalmente à concentração de mercado, pois quanto mais se compra menos se paga. O comércio eletrônico tem razões adicionais nesta direção, pois conta com a barreira (melhor seria dizer muralha) da tecnologia – como informação, o conhecimento tecnológico específico do segmento tem sido gerado dentro das grandes lojas e não por fabricantes independentes de software.
  2. A capacidade tecnológica das grandes lojas será um bem a ser oferecido ao mercado em concorrência direta com os fornecedores de partes do sistema (WB, BO, autenticação, gateway de pagamento etc.). Os marketplaces são apenas o começo desta caminhada.
  3. Embora as grandes lojas continuem investindo pesadamente na WS, as melhorias que elas produzem para si estão longe das necessidades das lojas médias (por exemplo, há contínua preocupação com desempenho). A estabilização dos processos básicos da WS orientada para lojas médias deverá vulgarizar seu conhecimento, cuja conseqüência é sua perda de seu valor – WS tende a ser paga pelo uso, sem custo fixo.
  4. Com uso das novas tecnologias de processamento, as razões que justificaram a separação dos sistemas (WS e BO) estão, lentamente, deixando de existir, especialmente para as lojas médias (necessitam vitalmente de alta performance)
  5. Assim com faz a Amazon, as grandes lojas naturalmente tenderão a oferecer uma solução integrada a partir do aproveitamento de suas plataformas, competência técnica, recursos de processamento, facilidade de integração com Marketplace. Obviamente, obtendo nova fonte de receitas.
  6. Em tese, esta junção trará enormes os benefícios para o mercado de lojas médias, mesmo que parte deles seja apropriado pelos novos fornecedores de soluções integradas: redução de custo de instalação e manutenção e Eliminação do retrabalho com a extinção das interfaces e redundâncias
  7. Pela de rápido acesso à totalidade dos dados do cliente, haverá possibilidade de, no ato da compra, avançar na direção da sua identificação e personalização, gradualmente aproximando-se do rico contato do balconista-freguês por meio do refinamento das condições comerciais e do direcionamento da oferta de mercadorias.

Fernando Di Giorgi abril de 2014

Artigo publicado na edição 21 da Revista E-commercebral em junho de 2014

 

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