Gerenciamento de preço, frete e prazo em marketplaces: um estudo

Antes do advento da venda não presencial, a precificação no varejo considerava, além de seus tradicionais fatores de custo, a concorrência em suas vizinhanças: lojas similares ao alcance de mesmos consumidores sem custos adicionais apreciáveis para comprarem de um ou de outro.

Com o varejo on-line, o contexto concorrencial muda radicalmente pelo desmesurado alargamento da ‘vizinhança’: absolutamente todos os concorrentes estão contíguos. Se tal assédio não fosse por si suficiente, a concorrência que antes era por loja, passou a ser por item com a intermediação dos marketplaces – espaço onde muitas lojas disputam simultaneamente a preferência do consumidor por uma mesma mercadoria.

As planilhas de precificação tiveram de ser adaptadas por canais de vendas e as margens passaram a ser objeto de intensa alteração para acompanharem o frenético comportamento do mercado nacionalmente expandido e em cada marketplace. Isso explica o surgimento do gerenciamento automatizado de preço, praticamente em tempo real – ainda há que diga ser fácil operar em múltiplos mercados simultaneamente!

Dentro deste amplo assunto, este artigo tem por objeto pôr em discussão dois temas associados à precificação em marketplaces. Como introdução, ressalto as modificações na precificação devido à intensificação tecnológica no comércio e que afetará a indústria, seja pelo inevitável crescimento da venda direta, seja pela crescente pressão comercial em setores mais concorrenciais.

O primeiro tema pretende demonstrar a complexidade das regras capazes de predizer a classificação dos vendedores, além de confirmar o caráter predatório deste canal. O segundo tema discorre sobre o método de precificação em runtime[1], no qual a lógica usada no ajuste do preço da mercadoria está dissociada da lógica de obtenção do valor do frete e prazo de entrega, gerando desperdício.

Introdução

No comércio, a formalização da precificação é muito mais simples do que na indústria. Nesta, cabe a cada unidade produtiva determinar o custo de produção dos produtos individualmente. Tal cálculo envolve muitas informações a serem processadas: milhares de apontamentos do chão de fábrica, preço de reposição das matérias primas e mão de obra, preço das utilidades (vapor, água, energia), custos administrativos de produção, desgaste das máquinas e instalações etc.

Abstraindo-se de impostos, a obtenção do preço de venda industrial parte do cálculo do custo de produção, enquanto que o comércio parte do custo de aquisição. Se há alguma vantagem na indústria nesta tarefa ela deve-se ao mix de produto que, além de ser restrito, pouco se altera ao longo do tempo por estar intimamente associados à infraestrutura industrial[2] e às matérias primas, em geral, compradas em grandes lotes. No comércio, a alteração do custo de aquisição acompanha a frequência de compra [3] e, para agravar, o comércio opera com grande variedade de itens, tornando a precificação mais numerosa.

Ambos, indústria e comércio precificam por canal: a indústria tradicionalmente diferencia atacado e varejo, discriminando preços por quantidade. O comércio diferencia preço por loja física, loja virtual e marketplace e, mesmo que o preço de venda possa ser igual entre os canais, a rentabilidade é própria de cada um deles por terem diferentes estruturas de custos.

Muitas palestras têm mostrado detalhadamente a composição de custos para precificar mercadorias por canal, não seria o caso de mostra-las neste texto.

A – Regras de decisão de preço preditivas de classificação no buy box

Partindo-se das ofertas[4] dos vendedores num departamento de um marketplace, a questão proposta é determinar um método capaz de predizer, com alto nível de acerto (acuracidade), qual seria sua classificação (ranking) conhecendo-se as seguintes variáveis: preço, prazo de entrega, reputação do vendedor e valor do frete.

Com dados fornecidos pela Precifica relativos ao departamento de “Cama, Mesa e Banho’ de um grande marketplace nacional, seguem algumas considerações sobre a modelagem:

    a) As conclusões se referem exclusivamente ao departamento na situação em que os dados foram coletados;
    b) Foram desprezadas ofertas com dados incompletos, com vendedores com reputação inferiores a 60 e com prazos superiores a 30 dias (outliers);
    c) Foram consideradas apenas as ofertas concorrenciais (aquelas com mais de dois concorrentes) e delas foram selecionadas apenas as classificadas em 1º e 2º lugares por SKU, ou seja, os vendedores que disputam diretamente a liderança;
    d) O cálculo do frete teve como base um CEP da cidade de São Paulo;
    e) A variável dependente é o ranking e as independentes são: preço, frete, prazo e reputação;
    f) O tamanho da amostra é de 2072 observações e os grupos de ofertas (ranking 1 e 2) têm o mesmo tamanho;
    g) Foram usados os métodos de Árvore de Decisão[5] e Regressão Logística[6]. Ambos com bons resultados, com a Arvore de Decisão ligeiramente melhores (grau de acuracidade de 96%).

Seguem algumas conclusões significativas sobre o departamento em geral:

1. Correlações[7] entre as variáveis:
    1.1. Quanto maior o preço, maior o valor do frete (correlação=0,46)[8];
    1.2. Quanto pior for a classificação, maiores serão o prazo (correlação = 0,72) e o frete (correlação=0,21)
    1.3. Quanto maior o frete, maior o prazo de entrega (correlação=0,27)
2. Diferenças significativas[9] entre as suas médias dos grupos de ofertas:
    2.1. O prazo de entrega é um forte fator distintivo;
    2.2. O valor do frete é um fator distintivo;
    2.3. O preço não é fator distintivo;
    2.4. A reputação não distingue os grupos
3. As médias das variáveis mais discriminatórias[10] a serem usadas no percurso das ofertas vitoriosas são:
Prazo (dias) Reputação % Preço (R$) Frete (R$)

Média

Desvio

Média

Desvio

Média

Desvio

Média

Desvio
Total 6 4

88

4

116

79

17

8
Ranking 1 3 0,2 88 0,1 116 78 15 7
Ranking 2 9 4 88 6 115 80 18 9

 

4. Segundo o método de classificação utilizado, em resumo[11], o percurso das ofertas vencedoras foi assim estabelecido:
    4.1. Com 20% das amostras aleatórias reservadas para teste, a acuracidade atingiu 98%;
    4.2. A distribuição percentual de importância das variáveis na competição entre os dois primeiros colocados é descrita no quadro abaixo:
Prazo Reputação Preço Frete
81 16 2 1
    4.3. O prazo deve ser necessariamente inferior 3,5;
    4.4. Caso a reputação for maior que 87, há necessidade do valor do frete ser menor que 8 e o preço menor que R$ 65,00;
Numa síntese sobre o tema:
    a) Os primeiros colocados disputam por preço com diferenças mínimas, razão pela qual não há diferenciação significativa entre as médias dos agrupamentos por ranking. Isso confirma tanto a concorrência baseada em preço como característica marcante dos marketplaces como a fuga de ofertas (por exemplo: individualização via EAN ou formando combo);

    b) Com o preço saindo de cena, o prazo e a reputação mostram-se como fatores diferenciadores;

    b.1. O prazo é a variável diferenciadora mais relevante;
    b.2. O prazo, dependente tão somente da transportadora, implica a presença da mercadoria em estoque, o que vem a ser coerente com um dos critérios de classificação usado pelos marketplaces: quantidade de unidades em estoque;
    b.3. Prazo mais longo com preço baixo é forte indicativo de cross docking e falta de capital de giro[12]
    b.4. A baixa reputação somente pode ser compensada com a redução do prazo e do valor do frete
    b.5. Prazos de entrega mais alongados é privilégio de quem goza de boa reputação.

    c) Os resultados condizem com o senso comum: a posição de liderança depende de intervalos encadeados das variáveis consideradas e não apenas da preponderância de uma delas. Por exemplo: é voz corrente que ‘tratando-se de mercadoria de valor unitário alto, o prazo de entrega é menos relevante’, ou seja, num intervalo de preço, a variável prazo de entrega perde relevância, enquanto em outros não.

    d) As variáveis decisivas, suas correlações e as regras de decisão não são fáceis de serem identificadas. Elas são específicas de cada departamento de cada marketplace e, para complicar, são alteradas ao longo do tempo.

    e) Os dados necessários a estes estudos estão disponíveis para os marketplaces e empresas de precificação, através de um esforço de mineração de dados na internet. Lembrando que informação é poder, isto mostra o fosso entre as informações e conhecimento de mercado entre os marketplaces e seus vendedores.

B – Precificação em tempo de execução

O preço da mercadoria

Suponha um consumidor que escolheu um determinado item num marketplace.

A melhor oferta do ponto de vista do marketplace é exibida ao consumidor, possibilitando a digitação do CEP para cálculo do frete e prazo de entrega[13]. Caso haja outras opções e por iniciativa do consumidor, o site exibe as ofertas dos demais vendedores onde constam preço, prazo e frete de cada uma delas, além da reputação.

De modo geral, ao avaliar as ofertas, o consumidor considera o preço total a pagar (mercadoria somada ao frete) e a reputação[14], deixando o prazo por conta de urgência de consumo. Vimos este assunto com mais detalhes no tema anterior.

Por interface com os marketplaces, os vendedores informam o preço de venda da mercadoria e atualizam-no por si ou por empresas de precificação automática. Tais empresas de precificação são capazes de modificar periodicamente o preço da mercadoria levando em conta regras preestabelecidas[15] pelo vendedor e os os preços da concorrência.

Num exemplo: (a) o preço de venda pode variar num intervalo entre o preço de aquisição e o preço idealmente estabelecido (b) caso preço de venda ideal seja superior ao preço da oferta do concorrente, ele poderá ser gradualmente rebaixado até que seja ligeiramente inferior ao preço do concorrente e superior ao preço de aquisição.

Preço concorrente menor que preço de aquisição Preço concorrente menor que preço de venda ideal Preço concorrente maior que peço de venda ideal
Sair da concorrência Ajustar o preço p/ vencer concorrência Manter o preço ideal

As empresas de precificação automática poupam mão de obra dos vendedores na administração de preço e asseguram preços competitivos dentro de limites de validade.

O valor do frete

De acordo com o CEP de entrega, o valor do frete é uma das informações cedidas pelo vendedor ao marketplace. Alguns vendedores mantêm contrato com empresas especializadas capazes de escolher a transportadora com a melhor relação preço-prazo, considerando o destino, peso e dimensões do item. Tais empresas escolhem a transportadora e poupam o vendedor do cuidadoso trabalho de manter tabelas por transportadora-faixa de cep-peso com limites dimensionais.

Assincronia entre o ajuste de preço e o cálculo do frete

Como se nota, a precificação (valor da mercadoria) dinâmica ou manualmente determinada, tem sido estabelecida independentemente do valor do frete, seja ele fixado pelo vendedor ou otimizado por empresa especializada.

Repetindo, sob o ponto de vista do consumidor, o preço de venda e o valor do frete são vistos em conjunto. Dissociar o lógica da determinação do preço da lógica do cálculo do frete e prazo também tem como causa a regra usada por alguns marketplaces ao desconsiderar o frete quando da eleição da oferta a ser prioritariamente exibida.

Exemplos a seguir tentam demonstrar os efeitos desta disjunção.

Nos quadros abaixo, considerem dois vendedores em disputa que tenham a mesma reputação e prometam a entrega no mesmo prazo.

Quadro 1: preço da mercadoria maior que o do concorrente e o preço total menor

O vendedor 1 está em situação ruim em preço, mas boa no total, o quadro inicial competitivo seria:

Preço da mercadoria Frete Total
Vendedor 1 101 18 119

Vendedor 2

100

20

120

Um reajuste automático de preço desconsiderando o frete, levaria ao seguinte ao quadro seguinte:

Preço da mercadoria Frete Total
Vendedor 1 99 18 117
Vendedor 2 100 20 120

O vendedor 1 já tinha a melhor oferta considerando o valor total, porém, como os processos de ajuste de preço e frete são independentes, o vendedor 1, já vencedor, rebaixou o preço para R$ 99,00 quando o certo seria não o modificar.

Quadro 2: preço da mercadoria e frete menores do que o concorrente imediato

O valor da mercadoria e do frete do vendedor 1 são inferiores aos do vendedor 2, o quadro inicial seria:

Preço da mercadoria Frete Total
Vendedor 1 99 18 117
Vendedor 2 100 20 120

Neste caso há duas possibilidades conservando a liderança em relação ao preço total: (a) aumentar o preço em 2 unidades, preço final seria R$ 101,00 tal como no quadro abaixo, ou (b) aumentar o frete em 2 unidades. Se nada for feito, há desperdício:

Preço da mercadoria Frete Total
Vendedor 1 101 18 119
Vendedor 2 100 20 120
Quadro 3: preço da mercadoria menor do que o concorrente e valor total maior
Preço da mercadoria Frete Total
Vendedor 1 99 21 121
Vendedor 2 100 20 120

Neste caso, o marketplace daria proeminência à oferta do vendedor 1 e, caso o consumidor não observe, o preço total, ele perderia uma oportunidade.

Concluindo o segundo tema, em condições competitivas, a precificação do frete e da mercadoria fazem parte de um processo integrado que hoje estão dissociados por razão tecnológicas.

 

Fernando Di Giorgi
Abril de 2020

[1] Runtime, em tempo de execução da venda quando da obtenção do preço total a pagar no marketplace.

[2] Máquinas, tecnologia e habilidades.

[3] O controle ideal de estoque comercial é por lote de compra, poucos softwares dispõem desta opção.

[4] Neste texto, oferta se refere ao conjunto vendedor, preço da mercadoria, valor do frete, prazo de entrega, reputação e ranking (classificação da oferta no marketplace).

[5] Classe DecisionTreeClassifier da biblioteca Scikit-learn Python

[6] Classe LogisticRegression da biblioteca Scikit-learn Python

[7] Coeficiente de Pearson com 95% de significância.

[8] Não dispondo de dados dimensionais e peso dos SKU’s, algumas hipóteses desta significativa tendência podem ser: itens mais caros são mais volumosos e preços de venda baixos forçam fretes serem inferiores ao que deveriam ser.

[9] Teste-t duas amostras pressupondo variâncias diferentes com 95% de significância.

[10] Aquelas mais marcantes em termos de segmentação considerando a classificação entre primeiro lugar e segundo lugar no buy box.

[11] O gráfico da árvore de decisão seria mais claro, porém seu espaço é proibitivo num artigo.

[12] Prazo do cross docking: prazo de reposição do fornecedor somado ao prazo de entrega da transportados ao cliente final.

[13] É bom lembrar que a oferta em 1º lugar tem probabilidade de ser escolhida superior a 70%.

[14] A reputação do vendedor é dada pelo marketplace em função da qualidade de seu histórico de serviços. Cada vendedor pode ter acesso ao seu desempenho, porém, como desconhece a dos outros, fica sem termos de comparação.

[15] Na prática, as regras têm evoluído no sentido de substituírem a planilha de precificação.

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