Investimentos no e-commerce: crescimento e desafios

A lucratividade do varejo eletrônico é um assunto polêmico. Há pouca transparência sobre o assunto (a maioria das grandes lojas é de capital fechado) e o pouco que se sabe oficialmente é insuficiente para entender a lógica dos contínuos investimentos no segmento. Este artigo aborda este tema e os desafios a serem enfrentados pelo crescimento.

Como esclarecimento, este artigo não se refere a investimentos especulativos, aqueles que entram para arrebentar e no afã de sair com dez vezes o capital inicial após dois anos. O enfoque é o investimento de longo prazo.

1. Algumas razões do investimento

1.1 Retorno no longo prazo

Investimentos com retorno no longo prazo caracterizam-se por terem grandes barreiras de entrada (capital inicial muito elevado para compra e instalação de ativos, tecnologia sofisticada, logística privilegiada etc.). Aparentemente, o varejo não tem nenhuma destas características muito significativas em siderurgia, refinação de petróleo ou barragem hidroelétrica etc., então, como explicar a crença numa rentabilidade futura num mercado relativamente volátil?

Na verdade, há barreiras muito difíceis de serem transpostas no varejo eletrônico:

  • Tecnológica: para se ter uma ideia, as grandes lojas foram obrigadas a se transformarem em polo de criação de software básico devido à insuficiência do mercado em servi-las – a maioria das pessoas terem pouca noção da sofisticação dos sistemas que estão atrás das cortinas do site e dos contínuos reinvestimentos em sistemas para enfrentar novas oportunidades de serviço propiciadas pelo desenvolvimento tecnológico.
  • Alta escala de produção necessária à viabilização econômica. Há dois bons argumentos para aumentar a escala. O primeiro, a valorização do ponto de venda por meio do aumento da visitação ponto é essencial nas negociações de compra pressionando o mercado fornecedor a baixar preços sob pena de reduzir a exposição de suas mercadorias. O segundo, vender para pessoa jurídica por meio de operação de atacado aproveitando-se do know-how em compras e logística.
  • Intensa competição entre as grandes lojas, a ponto de aumentar o endividamento pelo alongamento do prazo de pagamento. Este comportamento tende a continuar em função da importância da participação no mercado para manutenção das margens.

1.2  Crescimento irresistível

A taxa de crescimento do varejo eletrônico não guarda relação com o PIB nem com o varejo tradicional. Ele cresce roubando mercado do comércio tradicional, se assim não fosse como explicar taxas anuais de crescimento de 20% a 30%? Ele não cria demanda, ele absorve e continuará absorvendo parte da demanda de outros canais de venda. Uma das características deste crescimento é que ele não tem alterado a estrutura de mercado, ou seja, perto de 80% do faturamento continua concentrado em 10 grandes lojas.

1.3 A abrangência dos serviços com base em tecnologia

Em 1998, seria impossível pensar que um dia os serviços de venda de pacotes de viagem, ingressos, fidelidade e incentivos, revelação digital, aluguel de filmes etc., seriam atividades do e-commerce. Admitindo esta surpresa, o que se pode esperar sobre a abrangência dos negócios suportados pelo e-commerce para os próximos anos? Os êxitos passados fortalecem a ideia de que as fronteiras do e-commerce ainda estão por serem definidas.

2. Aplicação do capital investido

Os investimentos têm sido usados nas seguintes frentes:

  • Redução das despesas financeiras. Esta aplicação dá a medida da crença dos investidores no negócio. Em tese, uma crônica crise de caixa deveria espantar o investidor. Os investidores acreditam que, aliviada a pressão do caixa, haverá campo aberto para as empresas tirarem melhor proveito de um mercado forte expansão, evitando que a crise de caixa continue direcionando as ações da empresa para o curto prazo (letal para empresas baseadas em alta tecnologia).
  • Verticalização: encurtamento da cadeia produtiva pela absorção de parte da atividade de transporte (serviço crítico no Brasil) e na internalização dos serviços tais como TI (considerada atividade principal da empresa) e autenticação de pagamento. O alto volume de atividade deve justificar outras absorções a despeito do aumento da complexidade administrativa.
  • Expansão e descentralização da armazenagem para fazer frente ao aumento do nível de atividade, redução da despesa com fretes e redução do prazo de entrega.
  • Aumento da variedade da oferta expandindo e aprofundando categorias. Para se ter uma ideia do que seja representa, basta citar que o grande varejo eletrônico opera com mais de 500.000 SKUs com estoque, o varejo físico opera com menos de 40.000. Fica fácil perceber a inevitabilidade da concentração de mercado: a dependência da visitação em relação à variedade.

3. Ônus do rápido crescimento

3.1   “Aprender fazendo”

O comércio eletrônico é uma atividade recente e ainda não chegou à academia, portanto ainda não tem havido elaboração teórica capaz de “predizer” seus caminhos. Quem o conhece é quem nele trabalha, ou seja, as empresas tornam-se academias informais.

A ausência de tradições teve, entre outras, importantes consequências:

  • o retardo da entrada das grandes redes físicas (elas, ao não enxergarem as grandes diferenciações no novo modo de comercialização, insistiram em tratá-lo tal como uma loja física);
  • a omissão das grandes casas de software produtoras de ERP na oferta de soluções integradas abrindo espaço para desenvolvedores mais ousados;
  • o desenvolvimento baseado no experimentalismo (alta dose de risco, explicando alguns tropeços no nível de serviço) e, sobretudo, não estando preso ao passado, maior grau liberdade para empreender.

Este procedimento, um tanto errático, deve continuar.

3.2 Complexidade administrativa

O aumento das vendas no B2C implicou um crescimento orgânico muito rápido sem que as empresas contassem com processos administrativos consolidados. Esta carência tem sido acentuada pela contínua absorção de serviços diferenciados a exigir novos perfis gerenciais e alterações funcionais com forte impacto nos sistemas de informação. Se o crescimento acelerado em si é problemático, podem-se imaginar suas consequências quando simultâneo com diversificação das atividades.

Muito embora quase todos os processos fundamentais estejam relativamente controlados (captura de pedidos, logística interna e atendimento ao cliente), eles ainda carecem de instrumentos mais sofisticados de aumento de produtividade (otimização de processos) – uma situação típica da imaturidade de desenvolvimento organizacional.

3.3 Aumento do capital de giro

Por melhor que seja a gestão dos estoques, há uma relação direta entre o faturamento e nível médio de estoque, cuja razão será crescente na medida do aumento da variedade (como aparte, é interessante citar que o Marketplace é um engenho para fugir desta armadilha embora ainda em fase experimental no Brasil). Dentro deste tema, há problemas novos a espera de soluções: ausência de recursos teóricos consistentes para ressuprimento de estoque (devido à enorme quantidade de SKUs, da ausência de histórico de consumo (mais de 50% do que se venda é comprado apenas uma vez) e da redução do ciclo de vida das mercadorias); distribuição ideal das mercadorias pelos depósitos etc.

3.4 Rentabilidade – relação de força com fornecedores

É clássica a dependência margem-poder de compra.

As margens obtidas das mercadorias fornecidas pelos fornecedores “fracos” (mercado “quase perfeito”) são altas, acentuadas pelo fato dos clientes serem privados da comparação de preço, pois os itens são inacessíveis aos buscadores de preço dando maior liberdade na fixação do preço de venda. No entanto, é este mercado que fornece a variedade indispensável à visitação, porém, ela gera grandes dificuldades na logística interna e alto risco de estoque. Estes fornecedores, certamente, serão alvo da cobiça dos marketplaces.

As margens das mercadorias dos fornecedores “fortes” (oligopólio competitivo) são, obviamente, mais baixas e o preço de compra é discriminado por quantidade – os grandes têm vantagens. Em sua maioria, são itens de alto valor unitário que “todas as lojas querem vender”. Esta alta competividade nestes tipos de mercadoria, agravada pela possibilidade de acesso dos consumidores aos buscadores de preço, gera disputas suicidas.

Como consequência deste fato, acentuado pelo comércio eletrônico, os varejistas tendem a pressionar a cadeia produtiva a fim de preservar suas margens. Como a redução de custos industriais é muito mais lenta, algumas indústrias serão forçadas a praticarem vendas diretas ao consumidor paralelamente ao fornecimento aos distribuidores.

4. Considerações finais

  • A fase juvenil do e-commerce está se findando e os processos operacionais centrais estão ganhando alto desempenho e estabilidade.
  • O crescimento do e-commerce é inexorável a corroer o varejo físico e ainda não mostra limites claros em termos de volume e abrangência.
  • O crescimento tem severas exigências: deverá impor desafios gerenciais e metodológicos, principalmente na gestão de estoque, no planejamento operacional integrado, na otimização e automação de processos na logística interna e, sobretudo, na flexibilidade do sistema de informação.
  • O marketing gradualmente deixará de ser o principal protagonista. Atividades diretamente vinculadas à TI e Logística deverão ser determinantes: a eficiência, abrangência e diversificação dos serviços.
  • A consciência dos preços pelos consumidores devido ao avanço dos buscadores de preço provocará fortes embates dentro da cadeia produtiva.
  • TI será o grande diferencial entre as lojas, modelos computacionais rígidos deverão reduzir a competividade pelo comprometimento das margens e o ritmo de crescimento.
  • Não se pode transpor automaticamente o sucesso do e-commerce norte-americano para o Brasil. Temos obstáculos que dificultam a operação: tributação complexa, distribuição muito concentrada do consumo, carências na logística externa, qualidade e pontualidade do fornecimento, qualidade da mão de obra de TI etc.

Fernando Di Giorgi – fevereiro de 2014

Artigo publicado na edição 20 da Revista E-commercebrasil em abril de 2014

 

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