Transporte no e-commerce: fornecedores e consumidores do serviço

É conhecido o contínuo processo de verticalização das grandes lojas do e-commerce. Ao construírem suas soluções de TI, passaram a vendê-las, devido ao grande volume de vendas, passaram a contar com sua própria rede neural para autenticação do pagamento e do gateway, face à abrangência territorial de suas vendas e a diversidade dos itens ofertados, tornaram-se especialistas em logística interna para pequenos volume em altíssima quantidade, para ressuprirem  estoques de itens com curto ciclo de vida, desenvolveram algoritmos  tal que 40% da reposição passou a ser automática, porém, por maior e melhor que sejam, elas têm que fazer uso das transportadoras. Este artigo visa explorar esta relação de dependência. 

1. Mercado fornecedor

Estrutura do mercado fornecedor de transporte para e-commerce: oligopólio concorrencial

A abrangência de atendimento das transportadoras tem que corresponder à abrangência do mercado do e-commerce, ou seja, em todo território nacional. Tais condições operacionais induzem à concentração do mercado devido ao alto investimento em veículos, armazéns e sistemas de controle (capital intensivo, desprezando a armazenagem) e nível operacional muito elevado para redução do custo médio. Comparativamente ao EEUU, o Brasil tem área territorial contínua ligeiramente maior, 100 milhões a menos de habitantes e renda per capita equivalente a ¼ da americana, assim, em condições operacionais muito mais favoráveis, o mercado de transportes de encomendas também é concentrado. As líderes do mercado brasileiro são: Correios, estatal; Total Express, pertencente ao Grupo Abril; Direct, pertencente ao Grupo Tegma e Transfolha, um consórcio entre a Folha de SP e Estadão originalmente destinado á distribuição de jornais e revistas.

Características da demanda e rigidez da oferta

Em época de festas, no varejo físico, os consumidores entopem as lojas físicas, no varejo virtual, os consumidores entopem as transportadoras. Como decorrência, os investimentos das transportadoras têm sido dimensionados para atender os picos de demanda, caso contrário, o mercado não se expandiria. Além disso, caso a transportadora não acompanhe a demanda em épocas de pico ela se arrisca a perder espaço para a concorrente que assumiria a carga.

A irregularidade da demanda reflete-se diretamente na determinação do preço. Como o preço unitário é função da carga, ele tem que ser estabelecido para dar retorno nos períodos normais considerando os custos estruturais estabelecidos para atender a demanda nas épocas de pico. Os fatos mostraram que a repasse da carga para terceiros foi desastroso devido à especialização e o rigor dos níveis de serviço típicos do e-commerce.

Tipos de Transportadoras no e-commerce

As transportadoras se distinguem pelo tipo de mercadoria em que se especializaram e pelos serviços ofertados. A especialização envolve tipos de veículos, equipamentos de movimentação, sistema de controle etc. Exemplos: a roteirização automática é muito cara e típica de cargas leves, a transporte de produtos químico segue uma normatização específica. Tratando-se de encomendas, as transportadoras especializam-se em: Carga leve: volumes com peso até 40 quilogramas e com volume limitado – no e-commerce, cargas leves correspondem a mais de 85% do faturamento e carga pesada: volumes cima de 40 quilogramas ou volumosas. Algumas transportadoras oferecem o serviço de armazenagem, constituindo-se numa atividade secundária, principalmente para lojas médias puramente virtuais e para o B2B. Em tese, a armazenagem seria uma economia de escopo, visto que aumenta marginalmente a carga transportada, porém, colide com a especialização e com liberdade de escolha do cliente.

Estrutura logística das empresas – terminais de carga/filiais

As transportadoras operam em rede (cada nó da rede é chamado terminal de cargas ou Hub, fiscalmente é uma filial) com a finalidade maximizar os trechos do percurso total nos quais unitizam a carga (conjunto de volumes para um mesmo destino). Com o mesmo objetivo, as grandes lojas do e-commerce estão construindo novos Centros de Distribuição. Exemplo: a carga coletada em SP e destinada a clientes residentes em várias cidades do RS é reunida num mesmo veículo para uma viagem à Porto Alegre (terminal de carga) de onde a carga será fracionada para ser entregue aos destinatários finais (distribuição local, chamada de “last mile”). Os terminais de carga determinam a abrangência da rede logística da transportadora, assim, pelo menos, deve haver terminal em cada capital e principais cidades dos estados. Última “perna” ou trecho pode ser feita pela própria transportadoras ou por terceiros. A única empresa cuja distribuição final que não utiliza terceiros são os Correios. Devido a isso, os Correios são usados pelas demais transportadoras como complemento de suas redes logísticas.

Instrumentos de Controle – Rastreamento da carga

Rastreamento de Carga

Controle integral do processo de entrega é fundamental para a transportadora e para o embarcador. É indispensável estar informado sobre onde e em que estado físico está a carga durante o processo de entrega, além disso, que esta informação esteja disponível o mais próximo possível da ocorrência do evento original. Como decorrência, todos os eventos significativos para ambas as partes têm que conhecidos (local, objeto, data e hora). A todo evento significativo corresponde a uma ocorrência. Do ponto de vista do embarcador as ocorrências podem ser: normais (chegada ao terminal de carga, saída do terminal de carga, entregue ao cliente etc.) ou excepcionais (avaria, extravio, roubo, endereço errado, cliente ausente, cliente recusou receber etc.). As ocorrências são interdependentes formando uma rede, ou seja, há uma relação lógica de precedência entre elas a ser respeitada.

Necessidade de investimento em TI

Esta exigência implica alto investimento em tecnologia da informação, permitindo que o embarcador possa acompanhar todos os eventos associados processo de entrega de cada volume e tomar as medidas cabíveis próprias de cada uma delas. As ocorrências estão disponíveis ao embarcador a partir da referência ao identificador do volume e/ou nota fiscal. Para as grandes lojas, as ocorrências são exportadas ao embarcador fazendo parte do fluxo de atendimento do pedido. Porém, não basta gerar as ocorrências, é necessário que elas estejam disponíveis ao embarcador tão logo o evento que as originou tenha ocorrido. Tal rigor é característico do e-commerce sem o qual a loja fica impossibilitada de responder as indagações de seus clientes e de controlar o desempenho da transportadora contratada. Além das ocorrências, as informações básicas de controle são: os conhecimentos de transportes (documento fiscal emitido pela transportadora ao embarcador relativo ao conjunto de notas fiscais para um mesmo destinatário) e a fatura de frete reunindo todos os conhecimentos.

Tabelas de preço

Pela tradição de informalidade do setor de transportes, não há um padrão sobre a cobrança de serviços: cada transportadora tem sua própria lógica de cobrança; os eventos a serem considerados no fluxo da entrega são diferenciados e a codificação das ocorrências é específica. Quanto à troca de informações transportadora-embarcador, há um padrão nacional sobre o formato dos arquivos trocados (Proceda), muito embora algumas grandes transportadoras insistam em impor seus próprios formatos. Somente os Correios fogem deste padrão. O conhecimento antecipado do embarcador sobre o valor do frete a pagar de cada pedido de venda capturado pelo Site e a validação dos conhecimentos recebidos (base para a validação da fatura) são dificultados pela falta de padronização do setor.

Como esclarecimento, segue um exemplo da dificuldade da validação e a necessidade de dados onde o embarcador tem que conhecer o peso e o volume de cada um dos pacotes a serem expedidos, caso contrário, terá que aceitar o cálculo feito pela transportadora:

  1. Um pacote pesa 20 kg e 0,15 m3 de volume.
  2. Considerando uma densidade de 150 kg/m3, um parâmetro normalmente usado, qual seria o peso do pacote? Seria 0,15 x 150 = 22,5 kg – chamado de peso cubado.
  3. Visto que todo veículo tem limites de peso e de volume, a regra vigente é considerar o maior dos pesos obtidos, neste caso, 22,5 kg.
  4. Usa-se o termo frete-peso e frete-volume quando o frete foi calculado com base no peso real ou tendo como base no peso cubado.
Variáveis determinantes do preço
  • Peso: o preço por kg transportados refere-se a uma das faixas de pesos. O mercado pratica duas regras de cálculo, uma tomando apenas tomando o preço da faixa correspondente e obtida através da soma dos valores de todas as faixas anteriores (cumulativa).
  • Valor da mercadoria: como transportar algodão é diferente de transportar celular, uma parcela do valor do frete corresponde a uma fração do valor da mercadoria transportada (ad valorem).
  • Volume: a partir da densidade acordada, de posse do volume em m3 calcula-se o peso cubado a ser comparado com o peso real. Toma-se o maior e entra-se na faixa de peso
  • Destino: a rede de atendimento de cada transportadora é dividida em regiões correspondentes a um conjunto de faixas de CEP. A cada uma delas correspondem parâmetros específicos para cálculo do frete (preço por faixa de peso, percentual de ad valorem etc.). Também, a cada região, a transportadora associa o tempo de trânsito relativo a determinado local de origem, sendo que os parâmetros de cálculo se estendem a todos os CEP a ela pertencentes.
  • ICMS: as transportadoras são contribuintes do ICMS para operações intermunicipais (incluindo-se regiões metropolitanas). Por ser estatal, os Correios são isentos. A alíquota de ICMS depende da relação entre as unidades da federação de origem e de destino. O ICMS destacado no conhecimento pode ser recuperado (crédito) pelo embarcador.
  • Outros: pode haver outros componentes do valor do frete: pedágio, custo administrativo etc. Parcelas adicionais contribuem negativamente para o embarcador validar o frete a pagar.

2. Mercado consumidor

  

Criticidade do transporte no e-commerce

A venda no e-commerce é um contrato, nele consta o prazo de entrega declarado ao cliente quando do fechamento do pedido. Em geral, o prazo somente é levado em conta após a aprovação do pagamento e sua não observância é muito grave, pois pode dar ensejo ao cancelamento do pedido ou a devolução da venda. Quanto mais curto for o prazo de entrega, maior a competitividade da loja.

Entre as inúmeras atividades que compõem o processo de atendimento, a de maior duração é o transporte, cujo prazo é obtido do contrato firmado com a Transportadora.

Não é difícil notar a importância da qualidade dos serviços de transporte, afinal:

  1. o transporte está fora do controle da Loja: como já visto, há muitas exceções sobre as quais a Loja não tem controle algum, disso deriva a necessidade da Loja monitorar a entrega a fim de disparar imediatamente ações corretivas em caso de anormalidade.
  2. a loja responde pela qualidade do serviço prestado: a transportadora é contratada pela loja, porém quem assinou o contrato com o cliente foi a Loja, assim a loja deve assumir toda a responsabilidade junto ao cliente sobre erros cometidos pela transportadora contratada.

Incidência do frete no pedido de venda

  
O frete a pagar determina o frete a cobrar

O cliente de e-commerce, para fechar sua compra, é informado sobre o frete a ser cobrado. Todos os dados para cálculo do frete têm que estar disponíveis ao Site: tabelas de frete das transportadoras contratadas e dados logísticos de todos os itens ofertados.

O cálculo do frete a pagar

Em geral, o frete a pagar é calculado somando-se o peso e o volume de cada um dos itens do pedido, considerando-se o valor e o destino. São raras as empresas que mantêm dados logísticos corretos de todos os seus itens, daí a imprecisão do calculo, até mesmo seu abandono e a adoção regras que, praticamente, independem do que está sendo vendido.

É condição necessária para o cálculo do frete é conhecer o empacotamento que será feito na linha de checkout. Para determinar quantos pacotes deverão ser formados, qual tipo de caixa deverá ser usada em cada um deles e o que colocar dentro de cada uma delas, é indispensável dispor de algoritmo específico e não-trivial. A esmagadora maioria do e-commerce nacional não têm esta sofisticação, no entanto, ele tem sido relativamente poupado desta complexidade: em geral, mais de 50% dos pedidos têm apenas um item.

ICMS e contribuições

O valor do frete a cobrar do cliente faz parte da base de cálculo do ICMS na nota fiscal de venda. Além do ICMS, sobre a base de cálculo da nota fiscal incidem as seguintes contribuições: PIS, Cofins e CSLL.

Frete a cobrar do cliente

Todos estes acréscimos devem ser considerados no cálculo do frete a cobrar do cliente, a menos que a política comercial resolva isente o cliente desta despesa.

Discriminação de preço e serviços

  
Grandes lojas usam seu poder de mercado

Para as grandes lojas, as transportadoras coletam a mercadoria nos armazéns do embarcador; mantêm posto avançado nos armazéns onde adiantam o serviço que seria realizado no terminal de carga (conferem o manifesto, identificam os volumes e, para cada um deles, associam o peso e o volume e realizam um pré-roteirização); mantêm funcionários lotados nos embarcadores para facilitar rapidamente a resolução de ocorrências anormais e enviar informações complementares (correção de endereço, horário de presença do cliente etc.) e trocam arquivos com os embarcadores permitindo-lhes uniformizar o processamentos de todas as transportadoras facilitando o trabalho do SAC.

Para as pequenas lojas, o rigor da regra geral (indiferenciação).

Para as pequenas lojas, as transportadoras usam a tabela de frete padrão. Os embarcadores deslocam-se para entregar suas mercadoria na agência da transportadora e apenas têm conhecimento das ocorrências através do site da transportadora.

Os Correios terceirizaram suas agências constituindo uma espécie de broker agrupando embarques dos pequenos lojistas para obter descontos das transportadoras, porém este modo de operar não reduziu preço para o embarcador. Alguns destes brokers, pelo volume de cargas devido ao seu serviço de coleta em lojas médias, passaram também a oferecer serviços de armazenagem. Estamos longe de contar com brokers independentes das transportadoras com poder de negociação transferindo parte de seus ganhos para seus clientes.

Recursos usados pelas grandes lojas para redução do frete a pagar

  
Discriminação de preço

As transportadoras diferenciam preço de segundo a média diária de volumes embarcados em contrapartida ao ganho de escala. A tabela de frete para as grandes lojas tem tarifas mais baixas do que a tabela-padrão.

Descentralização logística

Com intuito de reduzir o tempo de entrega e economizar frete, as grandes lojas contam com armazéns estrategicamente localizados, muito embora isso ocasione aumento do capital de giro em estoque.

Internalização do Transporte

As grandes lojas tendem a internalizar parte do transporte reservando para si a entrega de suas mercadorias para regiões de grande concentração de clientes.

“Cubômetro”

Trata-se de um dispositivo que, eletronicamente, obtém o peso e o volume de cada pacote. Com ele, há precisão quanto aos dados referenciais para o cálculo do frete. Embora seja suficiente para não ser enganado pela transportadora, este dispositivo de nada serve para a determinação do frete a cobrar tendo-se como base o frete a pagar.

Simulação

Pouquíssimas lojas usam a simulação como instrumento para negociação com as transportadoras, assim como não interpretam seus gastos com transportes à luz da distribuição das vendas separando os fatores causais (destino, peso e valor).

Política de frete no e-commerce

As condições comerciais disponíveis aos clientes pelas lojas virtuais ainda estão em estado embrionário no e-commerce. Estamos longe de uma venda personalizada em função das restrições de ordem técnica (desempenho do site e tempo de acesso à base de dados), malgrado todos os esforços neste sentido.

Das muitas variáveis comerciais, apenas o frete, a condição de pagamento, combo e prazo de entrega têm sido usadas.

Tanto pela incidência como pela escassez de outras variáveis que possam atrair cliente, o valor do frete, combinado com o prazo de entrega, transformou-se num importante em fator competitivo.

A redução do valor do frete ou mesmo sua gratuidade em função do valor da compra tornaram-se prática comum. Com este procedimento, a conta de frete tem sido deficitária, ou seja, o frete a pagar tem se tornado maior que o frete a receber. Foi-se o tempo da neutralidade do frete.

Sensibilidade da demanda ao frete

A redução do valor do frete aumenta a receita? Se sim, onde isso ocorre e para qual tipo de mercadoria? Até as grandes lojas têm dificuldade em responder estas perguntas (elasticidade da receita em relação ao frete). O método mais usado tem sido a experimentação: reduz-se o frete durante determinado prazo para uma região e categoria, repete-se a experiência com frete cheio nas mesmas condições e comprara-se o resultado. Esta análise de sensibilidade da receita em relação ao frete é decisiva para a certitude da política de frete, sob pena de perda de margem. A experiência tem mostrado que a redução do valor do frete aumenta a receita, porém o ganho de clientes por este motivo não tem se mostrado sustentável, ou seja, o cliente tende a um comportamento oportunista.

3. Conclusões

  • A oligopolização das transportadoras do e-commerce responde a necessidades objetivas do mercado;
  • O transporte para e-commerce se distingue do tradicional pelo forte componente de TI, níveis de serviço rigorosos, especialização em grande quantidade de pequenos volumes e grande abrangência da rede logística;
  • O transporte é parte integrante do fluxo do pedido, portanto, deve ser estritamente monitorado pela Loja muito embora esteja fora de seu controle;
  • Embora haja forte tendência à verticalização dos serviços, é muito provável que todas as Lojas deverão continuar dependendo das Transportadoras;
  • A irregularidade das vendas do e-commerce é fator determinante na formação de preço do transporte;
  • Por limitações tecnológicas e pela sua incidência, o frete continuará sendo uma variável comercial muito importante;
  • A política de frete das lojas, com exceções, ainda tem sido estabelecida sem grande embasamento racional;
  • Tão ou mais importante do que validar as despesas de transporte é conhecer o que deve ser paga quando do fechamento do pedido do cliente;
  • Da tradição de informalidade das transportadoras deriva a falta de padronização das regras de cobrança trazendo muitas dificuldades operacionais ao embarcador;
  • Para que cada uma das transportadoras possa se pronunciar objetivamente sobre sua capacidade de atendimento em épocas de pico, é necessário conhecer antecipadamente a demanda agregada de seus clientes o que, até o momento, não tem sido possível obter.

Fernando Di Giorgi

Artigo publicado na edição 18 da Revista E-commercebrasil em dezembro de 2013

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