Marketplace: exclusividade, concentração e poder publicitário

Numa visão panorâmica dos marketplaces, destaco neste artigo três de suas características marcantes: a predominância das ofertas exclusivas, a concentração das ofertas e o poder da loja âncora[1] como agente de venda e meio de comunicação. Todos os dados nos quais este artigo se baseia foram processados a partir da captura de todas as ofertas de um grande marketplace feita pela Precifica em julho de 2018.

1. Ofertas exclusivas

É simples conceituar o que seja uma oferta exclusiva: um SKU oferecido somente por um vendedor. Ainda não é possível saber se o vendedor de uma oferta exclusiva coincide com o produtor , se ele é exclusivo de um produtor ou, não sendo exclusivo, ele atribui um código especifico ao SKU, imprecisão devida à dificuldade em retroagir à cadeia de produção para conhecer o produtor dos SKU ofertados. Em contraposição, uma oferta é não exclusiva (ou concorrencial) quando um mesmo SKU for, ao mesmo tempo, oferecido por mais de um vendedor.

É simples conceituar o que seja uma oferta exclusiva: um SKU oferecido somente por um vendedor. Ainda não é possível saber se o vendedor de uma oferta exclusiva coincide com o produtor[2], se ele é exclusivo de um produtor ou, não sendo exclusivo, ele atribui um código especifico ao SKU, imprecisão devida à dificuldade em retroagir à cadeia de produção para conhecer o produtor dos SKU ofertados. Em contraposição, uma oferta é não exclusiva (ou concorrencial) quando um mesmo SKU for, ao mesmo tempo, oferecido por mais de um vendedor.

Liderança de preço

Diferenciar ofertas segundo a concorrência centrada no SKU é condição necessária para qualquer análise de liderança de preço, visto que os vendedores de ofertas exclusivas ocupam compulsoriamente a posição buy box. Considerando todos os departamentos do marketplace, as ofertas exclusivas são majoritárias: somente 32% das ofertas são concorrenciais, no entanto, como mostra o quadro abaixo, tal proporção varia segundo o departamento:

Departamento Moda Alimentos Inst. Musicais Eletroportáteis
% Ofertas exclusivas 99 80 57 45

 

Concentração da produção

As diferenças de participação das ofertas exclusivas entre os departamentos reflete o nível de concentração do correspondente mercado produtor das mercadorias. Quanto mais centralizada for a produção, maior concorrência por produto na comercialização (ex. produtos com maior tecnologia embutida – eletrônicos, eletroportáteis etc.); quanto menores forem as barreiras de entrada na produção (bens de produção acessíveis e mão de obra pouco especializada – moda, móveis e decoração etc.), maior será a exclusividade das ofertas.

Estratégias de mercado

Os tipos de ofertas implicam estratégias mercadológicas próprias. O foco da oferta exclusiva é a marca (uma abstração que sintetiza valores evocados pelos produtos), seja do próprio vendedor ou do produtor que ele representa. O foco da oferta concorrencial é o SKU. Ao vendedor de ofertas exclusivas cabe construir sua marca, propósito exigente em investimento publicitário e na melhoria contínua da qualidade e competitividade de suas mercadorias. Por outro lado, o vendedor de ofertas concorrenciais se vale da publicidade institucional da marca do fabricante (cujo investimento, diluído em seu preço de venda reduz a margem do distribuidor), em contrapartida, o vendedor sofre o assédio de toda sorte de concorrentes, desde aqueles com grande poder de compra[3] até franco atiradores que praticam dumping por necessidade de caixa.

Acesso do consumidor à oferta

O tipo de concorrência implica diferenciação do acesso à oferta. As ofertas concorrenciais podem ser acessadas diretamente pelo produto[4], enquanto uma oferta exclusiva, considerando a miríade de vendedores, é mais uma marca numa multidão delas, todas reunidas numa categoria.

Tipificação dos departamentos

Os departamentos podem ser classificados por tipo de concorrência: (i) baseados em marca; (ii) predominância da marca frente ao produto e (iii) equivalência entre marca e produto. Em nenhum deles a concorrência por produto é dominante. Nota-se com clareza que a quantidade média de SKU oferecidos por vendedor cresce na mesma medida das ofertas exclusivas, sugerindo maior investimento em estoque e risco de obsolescência.

2. A concentração das ofertas

Como regra geral, observa-se que a grande maioria das ofertas são patrocinadas por poucos vendedores, isto é, poucos vendedores operam com ampla variedade e muitos vendedores operam com variedade restrita, constatação intimamente relacionada com a preponderância das ofertas exclusivas. Mesmo desconsiderando os departamentos de Livros e Moda[5], num total de 9 mil vendedores e 1,7 milhões de SKUs, a concentração das ofertas por vendedor pode ser notada no quadro abaixo onde apenas 44 vendedores (0,5% deles) oferecem 25% de todos os SKUs:

% SKU % Vendedores Qt Vendedores
25 0,5 44
50 2,5 222
75 9,2 830
90 22,4 2.013

Com exceções pouco relevantes, o padrão de concentração mostrado acima pode ser estendido a todos os departamentos.

Milhares de vendedores puderam entrar no comércio devido à redução das barreiras de entrada, diminuídas ainda mais pela venda intermediada pelo marketplace ao tomar para si algumas das operações básicas. Tal redução dos custos de entrada está longe de significar relevância. Como se nota no quadro acima, 90% dos vendedores brigam entre si em 25% dos SKUs. Tal informação não é perceptível ao observador comum, visto que a estrutura das informações de um marketplace (departamentos, categorias e SKU) esconde o porte dos vendedores[6] e impede que se saiba quem é quem neste universo.

Considerando que todos os vendedores têm ofertas exclusivas e concorrenciais, pode-se questionar se a variedade da oferta seria indicativa da liderança de preço. Para responder esta questão, é necessário saber que os campeões em variedade são também os vencedores em suas ofertas concorrenciais. A resposta encontrada na amostra é positiva: quem tem porte (variedade) tende a ocupar a posição buy box em ofertas concorrenciais. Em síntese, muitos são chamados, mas poucos são escolhidos.

Dos dois tópicos anteriores, vale salientar: se os departamentos se diferenciam pelo tipo de concorrência e pela estrutura de mercado, as sugestões do tipo “x dicas para vender mais” devem levar em conta as especificidades de cada departamento.

3. Loja âncora como agente de venda e meio de comunicação [7]

A loja âncora obtém muitas vantagens ao processar os pedidos de todos os vendedores associados ao marketplace: (i) exerce a função de um buscador de preços ao congregar mais de 10 mil vendedores, estendendo sua variedade para mais de 2,5 milhões de SKU[8]; (ii) detém o conhecimento da demanda de todos os SKUs ofertados, segredo que, antes de se transformar em marketplace, era restrito às ofertas próprias (iii) conhece os hábitos de compra e preferências dos consumidores de mercadorias de terceiros, informação indispensável para a eficiência na divulgação de ofertas. Este manancial de dados associados a sua disponibilidade de capital e poder computacional, dá-lhe condições suficientes para o desempenho simultâneo de atividades comerciais e publicitárias, prescindindo da intermediação de meios de comunicação externos. Contando com tais recursos, a loja âncora tem um mar de oportunidades a serem exploradas. Cito apenas três delas: (i) otimização de suas ofertas próprias (P1); (ii) indução da oferta de vendedores selecionados[9], dando-lhes garantias de venda pelo uso de seus recursos publicitários e (iii) venda direta com exclusividade.

A indução da venda

A primeiras das duas possibilidades é óbvia, a segunda, bem mais sutil, está associada ao tipo da oferta.

Considerando que a loja âncora: (i) tenha, com alto grau de certeza, conhecimento da demanda de um SKU a um certo preço de venda; (ii) que tal SKU não faça parte de sua estratégia de ofertas próprias e (iii) com seu investimento em propaganda, praticamente, a venda tenha alta probabilidade de êxito, então, ela passa a reunir todas as condições para induzir um vendedor selecionado a comprar o SKU escolhido na quantidade indicada e fazer a oferta com o preço final preestabelecido, enquanto a propaganda fica por conta do marketplace. Como, neste caso, os custos publicitários correm por conta do marketplace, certamente, eles serão muito reduzidos caso o SKU seja de uma marca conhecida no mercado. Como se nota, este artifício para aumentar a receita refere-se à oferta concorrencial, consequentemente as grandes marcas duplamente agradecem[10]: por terem revendedores decorrentes de seus investimentos institucionais pregressos e por deixarem de pagar a comissão sobre a venda cobrada pelo marketplace, embora possam fazer algum desconto por quantidade.

Venda direta e exclusividade da distribuição

Ainda com o uso do poder de exposição da oferta e indução de compra pela publicidade, a loja âncora pode promover a marca de um produtor, mas ao custo da exclusividade da distribuição[11]. A loja âncora tem força para acordos de exclusividade de venda direta da indústria eliminando um elo da cadeia de distribuição, justamente aquele que seria o vendedor no marketplace. Assim, pelos mecanismos de mercado, o lucro do elo absorvido seria repartido entre o produtor, o marketplace e o consumidor. Pode-se alegar que há obstáculos à venda direta pela indústria (má gestão da logística e fragilidade do atendimento pós-venda), porém, gradualmente eles estão sendo removidos pela extensão funcional dos ERPs e pela terceirização, ainda em curso de desenvolvimento, dos serviços de fulfillment[12].

Fernando Di Giorgi
15 de Outubro de 2018

 

 

[1] Loja âncora é a proprietária do marketplace e vende suas mercadorias por intermédio dele.

[2] Neste caso, o industrial seria o próprio vendedor.

[3] Em geral, o preço de aquisição tem uma relação direta com o lote de compra.

[4] É comum que as grandes marcas façam parte da descrição do SKU.

[5] Livros e Moda juntos perfazem 36% do total de ofertas e, por serem atípicos, distorcem a análise global.

[6] Neste texto, o porte do vendedor é estabelecido pela quantidade de suas ofertas (variedade).

[7] Este tema é parte de um outro mais geral, a integração vertical do e-commerce praticada pelo marketplace envolvendo: o financiamento do capital de giro, a propaganda, a captura do pedido, a análise de fraude, o processamento do pagamento, o 1º atendimento ao cliente e o fulfillment.

[8] Segundo a www.recode.net em 10/09/2018 “A abordagem de publicidade da Amazon é cada vez mais importante para as marcas, com cerca de metade de todas as pesquisas de produtos que começam por aí, e não com motores de busca típicos como o Google”

[9] Um eufemismo para não dizer “se dar bem com o gerente do departamento do marketplace”.

[10] A título explicativo, este procedimento é uma adaptação da vulgar “propaganda cooperada”, com a diferença que no comércio tradicional a propaganda fazia uso de meios de comunicação externos às partes envolvidas.

[11] Esta prática seria uma versão de pequena abrangência e duração do tradicional uso marcas próprias das redes de supermercados baseada no poder da distribuição frente à produção.

[12] AmazonBasics, marca própria Amazon, seria uma versão radica, onde a marca do distribuidor oculta a marca do produtor.

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