Programas de fidelidade com uso do comércio eletrônico

Introdução

Programa de fidelidade não nasceu da costela do comércio eletrônico, é uma prática antiga que está sendo completamente remodelada com o uso do comércio eletrônico.

Destaco a tecnologia e a impessoalidade da venda como fatores determinantes do espaço preenchido pelas agências na expansão de seus programas. A inovação tecnológica no varejo de mercadorias e serviços vem permitindo o crescimento do mercado de programas de fidelidade, principalmente pela facilidade do controle das transações do programa associada à precisão e a prontidão das informações básicas aos participantes. A aquisição automática de pontos ao comprar em lojas credenciadas, o acompanhamento do saldo disponível e desconto imediato dos pontos acumulados como parte do pagamento em múltiplos pontos de venda on-line revitalizaram este instrumento de marketing. Como o processo de venda no comércio eletrônico é praticamente impessoal, ainda não há possibilidade de uso de recursos de fidelização de cliente por este canal que são usuais na venda presencial, exceto a qualidade do serviço logístico e do atendimento ao cliente.

Os programas de fidelidade lastreiam-se em dois pilares: uma segregação do mercado consumidor e a admissão de que o preço é o fator decisivo na compra, o que não deixa de ser uma verdade indubitável, em que pese o êxito da propaganda dos produtores de front. Com uso de alguma forma de associatividade, um programa de fidelidade habilita os consumidores afiliados a comprarem mercadorias e/ou serviços a preços vantajosos.

Este artigo visa descrever os principais modelos operacionais de fidelização com uso do comércio eletrônico. Como poderá ser notado ao longo do artigo, não se trata de uma tarefa fácil em razão da facilidade de customizações de programas viabilizadas pela tecnologia. O artigo apresenta a seguinte sequência de assuntos: os papéis de cada um dos atores, a nomenclatura normalmente usada no relacionamento comercial, as forças e ganhos de cada parte envolvida, as variáveis que tipificam os modelos e, finalmente, a descrição de três dos principais modelos. 

Papéis

 Gerenciadores do programa: agência de publicidade, agência dedicada a programas de fidelização (chamaremos de coalizão) ou empresas com programas próprios, são os clientes do varejista.

Cliente da agência: empresa ou entidade que contrata uma agência

Participantes da campanha: cliente de ou filiado ao contratante da campanha

Campanha: contrato agência-varejista como parte do plano de marketing estabelecido e gerenciado pela agência relativo a um de seus clientes

Varejista: empresa fornecedora de mercadorias contratada pela agência

Nomenclatura

Acúmulo: pontos adquiridos pelo participante da campanha na compra de mercadorias do varejista ou de serviços do cliente da agência (bancos, por exemplo).

Resgate: pontos gastos como meio de pagamento pelo participante da campanha na compra de mercadorias do varejista contratado pela agência.

Comissão sobre vendas: percentual incidente sobre o valor mensal das mercadorias acumuladas pelos participantes a ser pago pelo varejista à agência.

Bônus sobre venda: percentual de redução do valor mensal total do resgate a ser pago pela agência ao varejista.

Taxa de câmbio na aquisição de pontos: fator de conversão de real para pontos na compra de mercadorias feita pelo participante no varejista credenciado pela agência ou pela atribuição de pontos ao participante pelo consumo de serviços oferecidos pelo cliente da agência.

Taxa de câmbio no resgate de pontos: fator de conversão de pontos em real na compra de mercadorias feita pelo participante em um dos varejistas credenciados pela agência.

Metas de resgate e de acúmulo: compromisso entre agência e varejista no cumprimento de valores mensais de resgate e de acúmulo.

Forças e receitas de cada agente do acordo de fidelidade

Agência

O principal trunfo da agência é a o direcionamento da demanda potencial dos participantes – os clientes de seus clientes. Quanto maior for a base de participantes, maior será a força da agência sobre os varejistas.

A receita operacional da coalizão centra-se num percentual sobre as compras realizadas pelos participantes com direito a acumular pontos e sua despesa direta com o negócio resume-se no pagamento do valor das mercadorias resgatadas pelos seus participantes com desconto do bônus sobre vendas.

A receita de agência de publicidade á o bônus sobre venda quando do resgate dos pontos acumulados pelos participantes da campanha.

Varejista

O varejista aumenta seu faturamento a partir do adicional de compras efetuadas pelos participantes no acúmulo e/ou resgate de pontos. Sua força reside no tráfego, ou seja, na preferência da marca pelos clientes representadas por sua participação no mercado. Quanto maior sua presença no mercado, melhor será sua condição de negociação com as agências.

O desconto concedido aos participantes como parte do acordo com as agências é contrabalançado pela redução da despesa com marketing (em torno de 4% do faturamento) e pela conquista ou reativação de clientes (acredita-se que o custo de cada cliente novo ou reativado seja de R$ 100,00). O ganho do varejista está na margem que será menor devido a outros ganhos, o que dificulta a interpretação de resultados.

Contratante da Agência

A empresa contratante do acordo visa agradar seus clientes, permitindo que eles possam acumular pontos a partir pela compra de seus serviços/mercadorias ou de terceiros credenciados pela agência e resgatá-los usando a pontuação acumulada como meio de pagamento complementar. 

Configuração de variáveis que tipificam acordos de fidelidade

Tipos de contratantes de serviços de fidelidade: dependem de sua base de relacionamento, podem ser entidades de classe (ex. CREA), empresas de serviços (ex. bancos) ou empresas industriais.

Tipos de agência: agência de publicidade para a qual programa de fidelidade constitui num de seus serviços, coalizão (ex. Dotz) e empresas que administram seu próprio programa de fidelidade (p.ex. Ipiranga).

Abrangência do acúmulo de pontos: podem ser acumulados a partir de uma única fonte ou de múltiplas fontes. A coalizão permite que seus participantes acumulem pontos por meio várias fontes.

Abrangência do resgate: os pontos acumulados pelos participantes podem ser resgatados num único site de varejo ou em vários deles.

Política de conversão de pontos: as taxas de câmbio podem ser controladas exclusivamente pela agência, pelo varejista ou por um acordo entre ambos.

Site de resgate: a coalizão tem seu próprio têm seu próprio site de resgate, enquanto as agências de publicidade e empresa com programa próprio usam um site licenciado cedido pelo varejista.

Direcionamento do resgate: há três modalidades de direcionamento, a coalizão escolhe o varejista, a coalizão permite que o participante escolha o varejista e, por último, a agência de publicidade empresas com programa próprio são cativas do hot-site do varejista.

Pagamento do resgate: as agências pagam pelo resgate a menos do bônus de venda, disso deriva um crédito dado pelo varejista à agência. O resgate de programas gerenciados pela própria empresa é pago em parte pelos pontos acumulados até um teto e o restante á pago pelo participante por qualquer outro meio de pagamento.

Atendimento do consumidor: depende do tipo de programa. Se agência de publicidade ou coalizão, o participante sempre se reporta à agência para qualquer tipo de informação ou serviço. Se programa é próprio da empresa, os consumidores se reportam diretamente ao SAC do varejista.

Fidelidade e incentivo: no programa de fidelidade, os participantes são consumidores finais, no programa de incentivo, os participantes são vendedores e representantes.

Variáveis e atributos por tipo de agência

Variáveis Atributos Agência de publicidade Coalizão Programa próprio
Acúmulo Fonte única X    
Múltiplas fontes   X X
Resgate Site único X    
Múltiplos sites   X X
Política cambial Agência controla X X  
Acordo     X
Site de resgate Agência   X  
Site licenciado X   X
Direcionamento do resgate Agência escolhe   X  
Participante escolhe   X  
Cativo do varejista X   X
Pagto do resgate Agência paga X X  
Participante paga     X
SAC Agência X X  
SAC do varejista     X
Receita % sobre resgate X X  
% sobre acúmulo   X  
Metas Resgate   X  
Acúmulo   X  

Modelos operacionais

Fidelização através de agência de publicidade

Em geral, as agências de publicidade vendem um plano de marketing para empresas, bem mais amplo do que uma campanha de fidelidade ou incentivo que pode ser parte deste plano. Com uma lógica própria de cada empresa, a agência formula uma regra para atribuir pontos por produto e, com isso, os clientes da empresa (participantes do programa) passam a acumular pontos através do consumo.

Para resgatar os pontos, a agência seleciona um varejista eletrônico considerando as seguintes características funcionais: sortimento, serviço logístico, navegabilidade do site licenciado (são raras as agências que tem site próprio) e prestígio da marca. Sob o ponto de vista comercial, a agência deverá: negociar sua receita (percentual sobre o resgate); negocia o desconto sobre os preços do site oficial a ser concedido aos participantes; selecionar as categorias a serem oferecidas e pronunciar-se sobre a possibilidade de complementar o pagamento do valor que exceder os pontos por algum dos meios de pagamento aceitos pelo site.

Como se nota, o acúmulo de pontos é obtido por processamento interno do cliente da agência e o resgate é feito por meio de um site licenciado do varejista.

O site denomina o preço das mercadorias em pontos cuja regra de conversão é atribuição da agência – taxa de câmbio na compra. Quando do resgate, o participante é reconhecido e seu saldo de pontos é obtido a fim de orientá-lo. Por regra contratual, o participante pode fechar o pedido com um valor superior ao seu saldo de pontos, neste caso, no carrinho, é apontada a diferença a ser paga de modo convencional.

A agência é “dona” do participante, ou seja, o participante não se relaciona diretamente com o varejista. A agência media o relacionamento participante-varejista o que implica delicada troca bidirecional de informações: rastreamento do pedido, solicitação de cancelamento, devolução ou troca.

O pagamento do resgate é uma despesa da agência e não do cliente da agência, o que obriga o varejista a bancar o crédito à agência. O varejista acompanha o acumulado mensal do resgate de modo a impedir que exceda o limite de crédito contratual.

Considerando que há muitas agências de publicidade capazes de gerenciar um programa de fidelidade e que elas são muito menores que os clientes que atendem, há um problema de escala nesta modalidade de programa de fidelidade a ser enfrentado pelo varejista. Para se ter um faturamento significativo com baixo custo operacional, é imprescindível que as centenas de campanhas simultâneas sejam altamente padronizadas, o que encontra obstáculo na diversidade de competências e características das agências.

Fidelização através de coalizão

Do lado da demanda, a empresa de coalizão de programas de fidelidade negocia com empresas, entidades de classe, associações, cooperativas etc. o acesso à base de dados de seus clientes e/ou associados (chamados participantes).

Do lado da oferta, a coalizão negocia a possibilidade de acúmulo e de resgate de pontos com vários varejistas de mercadorias ou de serviços com as quais mantém contrato.

A negociação do acúmulo de pontos com cada grande varejista considera as seguintes variáveis: a comissão a ser recebida pela coalizão referente ao total da compra para acúmulo pelos participantes e a meta mensal de acúmulo em valor.

A conversão de real para pontos é atribuição da coalizão – quanto maior for a quantidade de pontos por real, mais atraente será a compra pelo participante. As compras realizadas pelos participantes que geram pontos são remetidas pelo varejista à coalizão para atualização do saldo, assim como ocorrências de reversa para estorno.

Como a coalizão trabalha simultaneamente com vários varejistas, obriga-se a ter seu próprio site de resgate, o que força os varejistas a enviarem seus itens e preços. A conversão de ponto para real no resgate é atribuição da coalizão, portanto desconhecida pelo varejista – quanto menor for o número de pontos por real no resgate, mais atrativa será a compra. Este câmbio serve como instrumento de política comercial para direcionar a demanda para o varejista que a coalizão preferir no momento, considerando o cumprimento de metas de resgate e desconto no valor de resgate a ser pago ao varejista – a exceção seria quando um SKU é exclusivo de um varejista.

Para consumar o pedido, o site da coalizão solicita ao varejista a confirmação da disponibilidade de estoque e o valor do frete. Após o checkout, o pedido fechado é enviado ao varejista para atendimento físico.

Tal como a agência, a coalizão é a “dona” do participante, assim, ele intermedeia todo o relacionamento varejista-participante. Para isso, ela recebe, tanto no acúmulo quanto no resgate, o rastreamento dos pedidos e comunica os desejos de devolução e cancelamento de pedidos ao varejista para providências de coleta e estorno de pagamento. O saldo a receber pela coalizão do varejista é a diferença entre o valor da comissão sobre o acúmulo e o valor do resgate a menos do bônus.

O varejista também não controla a gestão das taxas de câmbio e nem a acumulação e nem o resgate de pontos, pois, o participante pode acumular e resgatar em mais de uma loja. Assim, a única forma de controle de desempenho por parte do varejista é o compromisso sobre o atingimento de metas mensais de acúmulo e resgate.

Há duas razões para se pensar que as coalisões devem se fortalecer e que este mercado deve se concentrar: a necessidade de intensificação tecnológica crescente e o aumento da base de participantes como instrumento de força na negociação com os fornecedores de mercadorias e serviços. Para reforçar este argumento, basta saber um varejista com atribuição de “vender” e “comprar” pontos é um dos principais acionistas de uma grande empresa de coalizão.

Fidelização bancada pela própria empresa

Não é comum empresas bancarem seus próprios programas de fidelidade. Uma das razões prende-se às condições de sucesso a serem obedecidas, entre as mais importantes: contar com grande base de clientes; vender produtos/serviços cujo consumo é frequente e marca com penetração nacional – p.ex. bancos, distribuidores de combustível, companhias de aviação etc.

O acúmulo de pontos deve ser principalmente feito no consumo de seus próprios produtos ou no consumo de empresas associadas. No último caso, o comportamento em relação ao acúmulo é similar ao acúmulo da coalizão.

A força da empresa na negociação com os varejistas está em sua base de clientes e na facilidade do acumulo de pontos realizado automaticamente em seus pontos de venda quando do consumo de suas mercadorias, p. ex. um caso clássico, ganho de pontos no abastecimento de combustível.

Em geral, para mercadorias, há exclusividade na escolha do varejista on-line, exceto para algumas categorias bem especiais. O varejista escolhido licencia o site de resgate com todas as customizações necessárias.

Os preços das mercadorias a serem resgatadas são iguais ao do site oficial do varejista, porém, o pagamento é feito tanto com pontos quanto com outro meio de pagamento usual. A quantidade de pontos usada no pedido de venda está diretamente associada ao percentual de desconto (dependente da categoria e da faixa de preço) da mercadoria. Com está prática, proíbe-se que a compra seja inteiramente feita com uso de pontos e permite que a relação desconto-quantidade de pontos seja utilizada para estimular ou desestimular a compra.

Esta modalidade de programa de fidelidade tende a crescer e fortalecer-se pressionando o varejo on-line com seu potencial de vendas. Há muitas oportunidades a serem exploradas pelas empresas com o perfil definido acima, porém, a restrição é que ainda não contam com profissionais, tecnologia e conhecimento tácito para fazerem uso da ociosidade mercadológica. É de se esperar novos e criativos formatos de negócio sejam propostos ganhando parte ainda maior da margem do varejo.

Fernando Di Giorgi

Artigo publicado na edição 27 da Revista E-commercebrasil em junho de 2015

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