Como se não bastasse o back-office do comércio eletrônico de grande porte tornar-se uma versão específica e ampliada do ERP tradicional, agora ele começa a ter suas próprias variantes.
O objetivo deste artigo é descrever as variantes do back-office do comércio eletrônico imposta para atender às necessidades de mercado.
Em geral, os desenvolvedores constroem aplicativos orientados a atividades empresariais majoritárias no mercado. Mesmo dentro da atividade escolhida, é comum haver segmentos com significativas diferenças funcionais; neles, uma solução genérica não apóia todos os processos de modo satisfatório – um exemplo: ERP orientado para indústrias pode atender muito bem uma manufatura e não atender completamente uma indústria de transformação.
Basicamente, dois fatores concorrem para que os desenvolvedores de aplicativos modifiquem seus produtos para atender segmentos minoritários da atividade alvo: o esgotamento do segmento majoritário e/ou ganho de participação de algum dos segmentos minoritários.
Inicialmente, o back-office do comércio eletrônico foi orientado para suportar a venda de CD, livros, eletrodomésticos, eletrônicos, eletro portáteis etc, mercadorias típicas de uma loja de departamentos. Este segmento vem apresentando taxas anuais de crescimento superiores a 30% ao ano com margens superiores às lojas físicas, justificando altos investimentos em estoque, ampliação de categoria de produtos, capacidade de armazenamento etc. Este bom desempenho gerou a entrada do grande varejo no mercado, tornando-o altamente concentrado e portanto, barrando a entrada de novos competidores. Num mercado com estas características, uma das poucas chances para que algum empreendedor tenha sobrevivência nele é a especialização: alta qualidade de serviço orientada para poucas categorias, com muita profundidade. Tal especialização, na maioria das vezes, demanda novos processos operacionais que não são atendidos pelo aplicativo “genérico” da atividade[1].
O back-office do comércio eletrônico também não escapa do inexorável processo de especialização (usando uma nomenclatura da biologia, seria uma especiação) de aplicativos empresariais. Seguem duas variantes que têm exigido soluções bastante diferenciadas e, para cada uma delas, as principais características operacionais:
1. Delivery de perecíveis e mercearia seca
Este tipo de atividade não é recente, porém somente agora ela tem se beneficiado de parte da plataforma do comércio eletrônico tradicional. Isto deverá permitir sua expansão e redução de custos operacionais.
- Controle da carga diária por rota para não exceder a capacidade de entregas
- Alto nível de fidelidade dos clientes – este fato tem sérias conseqüências em termos de qualidade do serviço
- Pedidos com muito itens – basta lembrar o que se compra mensalmente nos supermercados, isto complica o ressuprimento de estoque, o picking, a conferência e exige muita mão de obra
- Significativa alteração no roteiro de atendimento do pedido face aos procedimentos habituais em virtude da possibilidade de ruptura de estoque
- Estrutura logística: multi-depósito
- Há atividades de preparação que antecedem a separação das mercadorias por pedido – a logística interna é sui generis
- O atendimento físico do pedido é descentralizado – isto implica o monitoramento do processo de atendimento físico dos pedidos e controle da resolução das exceções (worklow)
- Itens podem ser substituídos durante a atividade de picking
- Atividades do checkout muito mais complexas – há muitos itens conferidos em diferentes setores de atendimento com possibilidade de falta e substituição
- Altíssimo percentual de “pedido perfeito” – um item faltante pode implicar a desvantagem da compra para entrega em domicílio
- Poucas devoluções, trocas e cancelamentos – em geral, compra-se o que se conhece
- Altíssimo nível de pontualidade – o atraso pode implicar desabastecimento de itens fundamentais para o dia-a-dia do cliente
- Frota composta de veículos especialmente adaptados – há itens refrigerados e congelados a serem transportados sem que percam suas qualidades
2. Farmácia – medicamentos, itens de beleza e perfumaria
A farmácia on-line está passando por um processo de amadurecimento operacional após um começo bem rudimentar, como costuma acontecer com negócios novos. Seu rápido crescimento tem se chocado com práticas baseadas no uso intensivo de mão de obra usada em armazéns inadequados, SAC desprovido do rastreamento do pedido, compartilhamento de estoque com as lojas físicas etc.
- Especificação dos itens extremamente cuidadosa – uma informação errada ou omissão pode trazer prejuízos muito sérios
- Regras comerciais específicas do setor – há medicamentos com preços monitorados e com reajustse periódicos determinados pelo governo
- Obrigatoriedade de venda no balcão
- Estrutura logística: multi-depósito
- Reposição de estoque com alta freqüência e uso de técnicas avançadas de previsão de demanda – a cadeia de suprimento de medicamentos é sofisticada e muito automatizada
- Normas logísticas determinadas e controladas pela Anvisa
- Controle da carga diária por rota para não exceder à capacidade de entregas
- Pagamento contra-entrega
- Altíssimo nível de pontualidade – medicamentos têm prescrição de dose e freqüência de ingestão
- Alta flexibilidade na entrega – entregas urgentes exigem alta mobilidade e controle
- SAC especializado – há necessidade de conhecimento técnico para responder as dúvidas dos clientes
B2B
Uma empresa que não atua no varejo (banco, indústria etc.) deseja distribuir mercadorias aos seus clientes ou colaboradores em troca de alguma forma de crédito concedido em função de suas compras ou desempenho. Tratando-se de uma atividade estranha às suas finalidades, ela contrata os serviços de uma empresa de varejo.
As lojas virtuais são ideais para este tipo de serviço devido à facilidade da compra não presencial, e sua especialização na entrega em domicílio. Na verdade, a compra é feita pela contratante (cliente B2B), os clientes dela apenas recebem as mercadorias.
A contratante busca alguma vantagem ao satisfazer seus clientes ou colaboradores com a redução do preço na aquisição de mercadorias e a comodidade da compra. Por outro lado, a loja virtual tem as seguintes vantagens: ser compulsoriamente visitada pelos clientes da contratante sem qualquer esforço mercadológico e diluir custos fixos logísticos. Esta é a conceituação de B2B neste texto.
No máximo, a participação do B2B nas grandes lojas virtuais tem sido de 20% da receita bruta, porém, principalmente pelas suas especificidades decorrentes dos contratos, ela está se estabelecendo como atividade independente. Seguem as principais diferenciações:
- Há necessidade de regime fiscal especial a depender da modalidade de faturamento
- A interface com a WebStore deve identificar o pedido B2B para tratamento especial: não é submetido à análise de crédito, não é enviado ao gateway de pagamento etc.
- O estoque deve ser logicamente segregado para impedir que seja consumido pelo B2C e gere indisponibilidade
- Os pedidos devem ser represados aguardando liberação pelo cliente B2B
- A aprovação pagamento considera a soma dos valores dos pedidos a serem liberados
- A venda para o cliente B2B pode ser a prazo, brutal exceção no comércio eletrônico
- A logística interna, na maioria das vezes, é irrelevante
- A data para faturamento fica à mercê do cliente B2B
- Os pedidos são atendidos em lote gerando irregularidade da carga de trabalho na expedição em concorrência com operação corrente do B2C
- Por vezes, há necessidade de rígido monitoramente das entregas para comunicar sua finalização ao cliente B2B para possíveis atividades adicionais pós-venda
- O atendimento aos clientes pode ter regras específicas definidas pelo cliente B2B como prazo para devolução, conteúdo de emails enviados, tratamento de indisponibilidade de estoque e insucesso de entrega, matriz de classificação de atendimentos etc. Este é um problema sério e subestimado
- A reversa (devoluções) pode ter regras definidas pelo cliente B2B que sejam diferentes das habituais
- Créditos concedidos aos clientes devido a cancelamentos e devoluções geram acerto de contas com o cliente B2B no Contas a Pagar.
Clube de compras
Esta vertente do comércio eletrônico tem como fundamento a formação de um grande conjunto de associados regularmente comunicados sobre oportunidades de compra. A loja virtual aproveita-se de pontas de estoque principalmente de vestuário e acessórios de marcas conhecidas no mercado. Esta prática também tem se estendido para pacotes de viagens, artigos de cozinha e decoração, etc. Tratando-se de oportunidades, os preços são muito convidativos.
A loja virtual negocia e reserva o estoque das peças de determinadas marcas e faz intensiva divulgação da campanha aos seus associados. Após conhecer os pedidos de venda, a loja compra as peças e as distribui para seus associados.
- Não se compra um item, compra-se um grande conjunto de itens para uma campanha
- As campanhas devem ser adequadas ao perfil de consumo de seus associados
- O planejamento e execução da campanha são fundamentais para o sucesso das vendas
- Há grande dificuldade no cadastramento dos itens devido à alta diversidade
- O ciclo de vida de um item é o prazo de duração de sua campanha – não pode haver sobra de estoque
- Os prazos de entrega são bem maiores do que o B2C tradicional: preços atraentes aplacam a pressa do recebimento
- O recebimento das mercadorias é muito trabalhoso: há dificuldades no confronto da nota fiscal x mercadoria e na identificação do item recebido (erro fatal no e-commerce)
- Cross docking permanente provocando irregularidade de carga de trabalho no depósito. Em tese, não deveria haver armazenagem.
- Dado que o pedido nasce sem estoque, a reserva é feita em lote segundo parâmetros não triviais. Esta prática é estranha ao B2C onde a reserva é em tempo real.
- As devoluções ou trocas são praticamente inviáveis
- O processo de entrega deve ser rigidamente controlado dada a importância em manter o associado satisfeito
- A margem deve ser controlada por campanha, quando, normalmente, ela é controlada por item e por departamento
Finalizando, há uma contradição básica entre os aplicativos comerciais e o mundo dos negócios: enquanto o primeiro é idealizado para resolver problemas derivados de uma determinada circunstância (o que podemos enxergar e projetar), o segundo modifica-se continuamente sob pressão da inventividade humana (tecnologia, mudança na cadeia produtiva, facilidade de transporte etc.). Em geral, quanto mais perto do consumidor ou dos processos produtivos, menos longevo será o aplicativo. O comércio eletrônico como novo canal de vendas muito susceptível à tecnologia, tem sido objeto de mudanças funcionais muito frequentes e, para complicar, está longe de seu esgotamento.
Fernando Di Giorgi 23 de fevereiro de 2010
https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/a-especializacao-do-back-office-para-o-comercio-eletronico/ em 28 de janeiro de 2011
https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/especializacao-do-back-office-para-o-comercio-eletronico-parte-02/ em 14 de fevereiro de 2011
[1] Como os desenvolvedores de software se posicionam frente às demandas de um segmento emergente e diferenciado? Uma reação típica é tentar dar sobrevida aos seus aplicativos através de alterações ou ampliações funcionais, a fim de atender a insaciável demanda dos usuários decorrentes do contínuo processo concorrencial. Não raro, para continuar ampliando a venda de seus produtos tais como foram construídos, as empresas se contorcem para menosprezar os sinais de obsolescência funcional de seus produtos. Curiosamente, o prolongamento da vida útil dos aplicativos, mesmo em contradição com as necessidades de informação, tem aliados importantes: os profissionais de TI temem que a mudança possa ameaçar seus empregos e os empresários tentam proteger os investimentos realizados. Um exemplo: as grandes empresas de varejo demoraram mais de sete anos para entender que o sistema corporativo que sustenta suas lojas físicas era incapaz de bem realizar as suas operações de comércio eletrônico.