Marketplace como negócio

Os marketplaces vêm aumentando o volume global de vendas, número de vendedores, diversidade e variedade de mercadorias e oferta de serviços e ao mesmo tempo, têm gerado dúvidas sobre sua rentabilidade. Este artigo visa discutir esta questão a partir da análise das receitas e dos custos dos marketplaces tomados em perspectiva, ou seja, levando em conta o aumento do nível de atividade (quantidade de pedidos de venda processados). Além disso, o artigo aborda a exploração do capital correspondente à massa de dados estruturada que vem sendo acumulada ao longo dos anos, como potencial para a redução de custos e aumento da participação de mercado.

Introdução

Como premissas deste artigo, destaco algumas distorções que obscurecem a análise do desempenho de empresas: (i) associar o tamanho de uma empresa à boa qualidade de sua administração nem sempre é incorreto, pois, há uma relação inversa entre penalidades por erros administrativos e porte da empresa; (ii) generalizar conclusões a partir da análise de um pequeno número de casos[1] (iii) webcasts exprimem o ponto de vista da empresa, tê-los como verdade é ingenuidade; (iv) indicadores contábeis são instrumentos que suscitam dúvidas e não necessariamente dão-nos respostas, além disso, lançamentos contábeis nem sempre refletem a realidade (por exemplo, contabilizar como investimento as despesas de aluguel da licença de uso; (v) alguns demonstrativos contábeis de redes de lojas agregam dados dos canais de venda ocultando a contribuição de cada um deles, e (vi) considerar grandes marketplaces internacionais (ex. Amazon e Alibaba) como referência, pois faturamento, investimentos autofinanciados e recursos tecnológicos são absurdamente superiores aos congêneres nacionais.

Custos operacionais de marketplaces

Ao processar 2.500.000 pedidos/mês, o custo fixo unitário[2] de um grande marketplace torna-se praticamente nulo e, por executar funções fortemente centradas em tecnologia, praticamente não encontra limites para a expansão do nível de atividade, excetuando a demanda. Isso nos faz concentrar os argumentos nos custos variáveis[3].

Como se sabe, o ganho de escala[4] está diretamente associado à magnitude dos custos fixos, o que impele as empresas a continuamente aumentar sua participação no mercado. Paralelamente, a fim de melhor suportarem as flutuações do mercado, as empresas se empenham obsessivamente em transformar custos fixos em custos variáveis. Especificamente, nos processos internos de intermediação comercial virtual, o custo fixo unitário é pouco relevante face aos custos variáveis (diretamente relacionado ao nível de atividade), pois as atividades, em sua maioria e grau de importância, são automatizadas, comprometendo parte do ganho de escala.

Entre as atividades internalizadas totalmente automatizadas figuram: inclusão e manutenção dos itens pelos vendedores, exibição das ofertas e conversão de pedidos, remessa de pedidos aos vendedores e rastreabilidade do processo de atendimento. Entre as atividades semi automatizadas figuram: validação e inclusão de itens na particular estrutura departamental dos marketplaces e atendimento pós-venda. Os markeplaces têm feito investimentos técnicos nestas atividades para reduzir a intervenção da mão de obra (interna e dos vendedores), aumentar a precisão da classificação e acelerar a disponibilidade da oferta.

O ganho de escala do marketplace ocorre graças ao seu poder de compra de serviços e a internalização parcial de atividades tais como gateway, análise de fraude e propaganda. Isto ocorre com o aumento do volume de pedidos e com a concentração de mercado, pressionando os fornecedores de serviço à redução de preço. Consequentemente parte importante dos custos unitários fixos tendem a ser gradualmente decrescentes ao longo do tempo. Além deste fortalecimento nas relações comerciais, há outros fatores que impulsionam a redução de custos: (i) a análise de fraude tem outra fonte de redução: a expansão da base de consumidores e a recorrência de compra, permitem aos marketplaces analisarem parte dos pedidos, recorrendo a terceiros em casos de maior incerteza; (ii) o custo de aquisição de clientes por meio de propaganda cai em função do explosivo aumento da variedade[5] e exposição de grandes marcas; (iii) quanto ao custo de aquisição de um vendedor basta uma recordação: em meados de 2014 era preciso garimpar na internet para prospectar vendedores, convencê-los a se associar e bancar os custos de atendimento devido ao seu despreparo técnico e funcional e ao primitivismo das interfaces. Hoje, os vendedores procuram os marketplaces.

Receitas diretas

A receita direta dos marketplaces referente à oferta de terceiros provém da taxa de comissão incidente sobre o valor integral da venda[6]. A taxa cobrada depende das características do vendedor (porte, marca, tipo, diversidade e variedade das mercadorias) e do conjunto de vendedores similares preexistentes.

Os marketplaces têm expandido suas funções e competências para diversificar suas receitas diretas: (i) financiamento do capital de giro dos vendedores; (ii) encontro de contas, tendo como crédito o recebimento da venda realizada e como débito, as comissões, as despesas com propaganda etc. (iii) meios de pagamentos, de longe, a mais importante; (iv) logística com o fornecimento dos serviços de armazenagem, de coleta e de entrega e (v) propaganda no site do marketplace[7].

Receitas indiretas: transformando quantidade em qualidade

A grande maioria dos marketplaces aproveitou a plataforma de sua loja virtual para incluir mercadorias de terceiros. Em alguns casos, o que seria uma significativa redução de investimento, transformou-se numa sucessão de restrições e aumento de complexidade[8].

As receitas indiretas resultam do aproveitamento de oportunidades proporcionadas pelo crescimento da audiência, da variedade, do volume de transações e da base de clientes. Estes têm sido os insumos indispensáveis aos cientistas de dados e ao aproveitamento do conhecimento acumulado em marketing digital que, associados à capacidade de investimento, permitem a geração de receitas indiretas. Seguem alguns exemplos:

  • Conhecimento da demanda de mercado. Pressuposto chave para a redução do risco comercial (capital investido em estoque) associado às ofertas próprias[9].
  • Conhecimento do perfil e hábitos de compra dos consumidores. Indispensável à eficiência de campanhas publicitárias próprias ou de terceiros.
  • Consolidação do planejamento mercadológico da loja âncora[10] com seus vendedores. Com a incorporação dos vendedores no seu âmbito de ação, os marketplaces estenderam o alcance e a amplitude de suas campanhas publicitárias, sincronizando suas ações com milhares de seus vendedores.
  • Melhora no ranking do Google por meio do aumento da oferta. Trata-se de uma das razões que explicam a obsessão dos marketplaces pela ampliação do conjunto de vendedores, independente do desempenho de suas vendas.
  • Expansão funcional para venda de serviços complementares aos seus vendedores tais como aqueles referenciados acima.

Riscos inerentes à intermediação comercial

Perante o consumidor, o marketplace é responsável pela venda da mercadoria faturada pelo vendedor, assumindo riscos por danos causados aos consumidores (mercadoria falsificada, indenização por descumprimento de contrato etc.). Tais riscos são controlados pela análise integral das ocorrências do processo das vendas de cada vendedor, cuja avaliação é sintetizada numa nota: a reputação do vendedor. Este atributo do vendedor integra o conjunto de variáveis[11] que regula a ordem das ofertas no site, sendo claramente exposto aos consumidores.

A qualidade do controle do processo operacional das vendas determina o nível de risco do marketplace. Assim, o processo seletivo de vendedores se autocorrige tal como a análise de crédito de qualquer organização industrial controla a venda a prazo aos comerciantes. O tempo é um forte contribuinte para a redução do risco comercial dos marketplaces tanto pelo aperfeiçoamento da metodologia de análise como pela consistência das conclusões.

O fracionamento do pedido

Desconsolidação do frete

Em termos de estrutura de dados, no marketplace o vendedor foi “rebaixado” do cabeçalho para o detalhe. A análise de fraude e o processamento do pagamento continuaram a serem feitos por pedido, mas, quanto ao atendimento, pedidos com mais de um item passaram a ter mais de um critério de fracionamento, fato que está sendo visto como fator de aumento do frete por desconsolidação. Tal alegação não é totalmente convincente.

O principal argumento é que mais de 50% dos pedidos tem um só item, fato que justificou a incorporação de ondas de separação por item nos WMS’s orientados para e-commerce a partir de 2006. Além disso, o fracionamento dos pedidos para efeito de separação é muito anterior ao surgimento do marketplace em 2013, tendo como principais razões: (i) natureza dos itens (carga leve ou pesada) exigindo diferentes transportadoras; (ii) diferentes prazos de entrega entre os itens (cross-docking, pronta entrega, pré-venda, entrega futura etc.); (iii) descentralização do estoque e (iv) dificuldade em calcular o frete consolidado quando do fechamento do pedido pelo consumidor[12].

Desestímulo à promoção de vendas

Considerando as variáveis preço, prazo, frete e reputação, a concorrência pela liderança na exposição de ofertas por SKU nos marketplaces é essencialmente dependente do preço. Somente quando consideramos a disputa entre líderes, o prazo de entrega e o frete despontam como determinantes uma vez que há pequena variação de preço e reputação entre eles. O preço é condição necessária, porém não suficiente para posições de liderança entre as ofertas. Assim, o estímulo às promoções faz parte da natureza do marketplace. Por outro lado, se a posição de liderança por SKU é perseguida pelos vendedores[13], esta concorrência é ainda muito desejada pelo próprio marketplace, visto que preços baixos são mais eficazes do que qualquer outro artifício para atrair consumidores.

Publicidade e estoque do vendedor

Podemos distinguir dois modelos de campanha publicitária, um bancado pelo vendedor outro pelo marketplace. Quanto ao primeiro deles, o risco é inteiramente do vendedor. Quanto ao segundo, seria muita ingenuidade acreditar que tal despesa não seja precedida de estudo de viabilidade tradicionalmente usado para 1P sendo agora posto em prática para um conjunto seleto de vendedores. Tal estudo envolve a estimativa da quantidade demandada a um determinado preço (no qual já está embutida a despesa de publicidade), donde resulta o estoque mínimo disponível a ser previamente bancado pelo vendedor. Indo mais longe, se o estudo mostrar que a campanha é muito vantajosa, por qual motivo não a transformar em 1P?

Ainda dentro do tema, os marketplaces têm sido usados para a desova de mercadorias com demanda em nível baixo e/ou muito dispersa, aquelas que somente ocupam espaço nas lojas físicas e se encontram em posições de estoque pouco acessíveis nos centros de distribuição. A divulgação associada ao baixo preço tem sido uma forma de fazer dinheiro com este tipo de mercadorias.

Conclusão

O potencial de crescimento das lojas âncora é imenso, graças à conjunção entre a elevada taxa de faturamento devido à inclusão da oferta de mercadorias de terceiros e a disponibilidade de capital. Se dão prejuízos, as causas não se devem à natureza do negócio, mas à gestão.

A instabilidade do ambiente de negócio em que elas operam pode ser bem notada pelas suas contínuas modificações funcionais. Seguem alguns exemplos: (i) ampliação de serviços prestados aos vendedores; (ii) benefícios decorrentes do conhecimento da demanda com base na análise de dados tais como a redução do capital de giro e a integração publicidade-oferta 3P baseada no planejamento da demanda; (iii) a autorregulação na seleção de vendedores, resultando na redução dos custos de atendimento e (iv) integração de canais de venda, esta a mais importantes delas.

Sabe-se que o capital é avesso à instabilidade, então como explicar a continuidade dos aportes neste tipo de negócio? Parte da explicação deste aparente paradoxo deve-se à subversão do comércio causado pela profunda penetração da tecnologia da informação em seus processos fundamentais. Isto condena as lojas âncora a reinvestirem pesadamente em tecnologia em virtude da incerteza sobre o modelo de comercialização de mercadorias que, no futuro, será predominante. Em decorrência, vêm comprometendo a distribuição de dividendos e, quase todas, têm avaliado com excessiva leniência os resultados operacionais de seus canais de venda virtual[14].

Fernando Di Giorgi
Junho de 2019

[1] Quanto menor o tamanho da amostra, maior é o erro amostral

[2] Um custo de produção é fixo quando sua ocorrência independe do nível de atividade e custo fixo unitário é o quociente entre o custo fixo e nível de atividade, portanto, decresce quando o nível de atividade aumenta.

[3] Um custo é variável quando sua ocorrência depende única e diretamente do nível de atividade, portanto, um custo variável por nível de atividade é constante.

[4] Sumariamente, há ganho de escala quando o aumento do nível de atividade reduz o custo de produção.

[5] Uma loja líder do e-commerce brasileiro oferecia ao mercado 800.000 SKU’s com estoque antes de ser transformar em marketplace. Hoje, com a incorporação de mercadoria de terceiros, oferece 7.500.000 de SKU’s distintos.

[6] Vale esclarecer que a taxa de comissão incide sobre o valor da mercadoria somada ao valor do frete. A comissão nem sempre é ressarcida caso o consumidor devolva a mercadoria.

[7] É útil lembrar um tradicional lema relativo à diversificação dos negócios: o risco de um novo negócio varia inversamente à sua sinergia com as atividades habituais da empresa.

[8] A estratégia de reaproveitamento de software para absorver um novo canal foi usada quando o back-office de rede de lojas físicas foi estendido para o varejo eletrônico. Quem seguiu esta trilha retardou seu desenvolvimento.

[9] Ofertas próprias se referem às mercadorias cuja propriedade é da loja proprietária dele.

[10] Loja âncora é a proprietária do marketplace

[11] Esta quadra é formada pelo preço, frete, prazo de entrega e reputação.

[12] Um dos sonhos não realizados da logística interna foi fundir as funções de separação e embalagem, pressupondo a existência de um algoritmo capaz de predizer a caixa ótima em função do conjunto de itens do pedido. A venda por catálogo da Hermes, por trabalhar com miudezas e picking by light, foi o único caso de sucesso deste método.

[13] Os serviços de precificação automatizada online confirmam o fino trato do preço na busca pela liderança.

[14] Evidentemente, este raciocínio não se estende aos pequenos vendedores que, além do aumento da concorrência comprometendo a margem, são obrigados a comprar tecnologia a preços de oligopólio.

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