Queda de vendas: estrutura de custos, mercado e reações do e-commerce

A redução do nível da atividade econômica nos últimos 16 meses tem provocado desemprego, queda de renda, escassez de crédito e incertezas quanto ao tempo de recuperação. Por ser o último elo do ciclo de reprodução do capital, o comércio é o primeiro a sentir os efeitos da queda do PIB e, embora o comércio eletrônico tenha aumentado o faturamento global, as grandes lojas fecharam o ano com prejuízos.

Dos canais de venda, o comércio eletrônico é um dos mais sensíveis à retração do consumo, principalmente devido à natureza de sua oferta (extensa variedade de itens como forma de atrair a visitação, itens de consumo não regular e itens de maior valor unitário a compensar o frete) e à maior rigidez de seus custos operacionais.

O comércio eletrônico tem convivido com forte expansão nas vendas (entre 20 e 35% aa) tendo como base: a eficiência de investimentos em propaganda; a abundância de capital de fundos de investimento; a conformidade de seus acionistas e proprietários em não receber dividendos (trocando a valorização da empresa pelo aumento da participação no mercado); a busca da liderança de mercado no afã de aumentar o poder de compra e a necessidade de contínua incorporação de funcionalidades no processo de venda via tecnologia.

Tais fatores conduziram as grandes empresas a reinvestirem seus excedentes em tecnologia – fechamento do mercado pela aquisição de empresas de desenvolvimento; à expansão da estrutura logística – dispersão do estoque para a redução do frete e tempo de entrega, na automação da separação de mercadorias para redução de mão de obra e aceleração do fluxo de atendimento físico do pedido – e à insistência na gratuidade do frete e financiamento para fazer frente à competição com o varejo físico.

Este caminho de sucesso interditou a discussão sobre a rentabilidade e desconsiderou que parcela significativa do crescimento das vendas era devido à transferência entre os canais e não da ampliação da demanda.

Este quadro econômico adverso pelo qual estamos passando tem sido surpreendente para o e-commerce, principalmente pela sua falta de tradição em operar dentro de uma situação recessiva e pelo estreitamento do espaço de manobra para adequação dos custos à diminuição da receita.

O comércio eletrônico, quando comparado ao varejo físico, tem vantagens na expansão pelo ganho de escala, no entanto, tem desvantagem quando da queda das vendas em virtude da maior participação dos custos fixos no custo total. Seguem alguns argumentos:

  1. A internalização do desenvolvimento de sistemas como forma de se apropriar do conhecimento e conduzir o processo de inovação tem aumentado o custo fixo com TI (há empresas com mais de 1000 técnicos em computação) sem possibilidade de redução, seja pela necessidade contínua de criar novas funcionalidades, seja pela imitação das boas ideias da concorrência;
  2. A automação de armazém, visando a vantagem competitiva da precisão e rapidez na separação com redução de mão de obra, passa a ser subutilizada, comprometendo prazos estimados de retorno sobre o investimento;
  3. Parte das despesas correntes com a ampliação da capacidade de armazenagem, sempre baseada em contratos de média ou longa duração, é insensível à redução do fluxo de mercadorias;
  4. As despesas com propaganda, em geral, não caem na mesma proporção que a queda das vendas, basta verificar que o decréscimo da receita anual da Google no Brasil foi inferior ao decréscimo da receita do e-commerce dos grandes anunciantes.

Para fazer frente a este cenário, as grandes lojas têm reagido de forma muito diferenciadas, indo da expansão à contração e, entre extremos, a diversificação da receita:

Expansão

  1. Ampliação da variedade da oferta aproveitando-se da plataforma tecnológica e da confiabilidade da marca (ex. Chilli Beans, incluindo vestuário, e Netshoes, com a inclusão de cosméticos e calçados). Esta clássica alternativa em ampliar as vendas e o tráfego tem como contrapartida: o aumento do capital de giro, a crescente complexidade do ressuprimento de estoque e o aumento das despesas comerciais pela inclusão de novos departamentos e propaganda, ou seja, ela caminha na direção contrária ao marketplace, no qual a oferta é ampliada sem custos administrativos e de estoque;
  2. Equalização de preço entre a loja virtual e físicas (ex. Decathlon). A rede perde vendas em suas lojas físicas e evita transferi-las à concorrência e, com isso, obriga-se a praticar frete grátis para os artigos compartilhados pelos canais. Esta opção reduz a margem do comércio eletrônico.

Diversificação da receita

  1. Receita na prestação de serviço pela venda de mercadorias de terceiros (marketplaces da Cnova, B2W e Walmart).  Nesta alternativa residem as maiores esperanças, basicamente pelo fato de ser uma prestação de serviço com receita baseada nas mercadorias vendida por terceiros, portanto sem qualquer risco comercial – o serviço de intermediação do marketplace assemelha-se ao serviço das entidades financeiras. O que limita este lucrativo aproveitamento da capacidade produtiva ociosa por parte das lojas-âncora é a quantidade limitada de lojistas com boa qualidade de serviços no Brasil (aquelas que garantem a existência de estoque das mercadorias em oferta e cumprem o prazo de entrega prometido) e o fato deles participarem de todos os marketplaces ao mesmo tempo. Tais dificuldades estão além da competência dos marketplaces.
  2. Licenciamento da plataforma em concorrência direta com empresas produtoras de software (ex. B Seller da B2W). Há dificuldades neste tipo de negócio: pode gerar mal-estar, principalmente para lojas médias, que o proprietário da plataforma licenciada seja também concorrente; as severas exigências administrativas para o lojista tirar proveito da integração é um forte fator limitante do mercado consumidor; com a expansão das vendas, o custo marginal das empresas fornecedoras de plataforma integrada é crescente devido ao aumento do tempo médio de suporte aos clientes; para viabilizar a venda para clientes de menor porte o aluguel a ser cobrado deverá ser tendencialmente menor, dificultando a formulação da política de preços; a cobrança do aluguel é complexa, pois, em caso de inadimplência, a interrupção do serviço significa a suspensão total das atividades dos clientes. Ao que tudo indica, a aposta que está sendo feita baseia-se no cabalístico ganho de sinergia com negócios correlatos.
  3. Prestação integral de serviços para venda direta da indústria. A crescente incorporação das habilidades comerciais nos sistemas de informação reduz a barreira entre o comércio e indústria, permitindo que a última possa vender seus produtos diretamente ao público, incorporando a distribuição. Esta possibilidade é muito concreta em mercados de bens de consumo concorrenciais de mão de obra intensiva ou em mercados oligopolizados de capital intensivo e muito alto volume de produção.

Contração

  1. Redução do capital de giro pela diminuição da diversidade, deixando-a para os lojistas associados ao marketplace. As categorias com cauda longa, baixo valor unitário, logística interna complexa ou que requerem serviços adicionais, alta especialização no sortimento e ressuprimento de estoque e ciclo de vida curto são as candidatas a terem menor participação nas lojas âncoras, portanto com maiores oportunidades para os lojistas associados. A redução da variedade de categorias nas lojas âncora tende a fortalecer as lojas especializadas afiliadas ao marketplace pela absorção da demanda, consequentemente, deverá concentrar o mercado e reduzir a comissão sobre vendas cobrada pelo marketplace;
  2. Redução proporcional do orgânico nas atividades de mão de obra intensiva (notoriamente SAC e logística interna). Esta redução é habitual após os picos sazonais de venda. Agora trata-se de um ajuste à redução do nível de atividades.
  3. Redução do financiamento aos consumidores pela diminuição do parcelamento do pagamento, refletindo a redução das despesas financeiras devido à elevação da taxa de juros;
  4. Redução da gratuidade do frete. Enquanto o comércio eletrônico se expandir às custas do varejo físico, o frete grátis deverá se manter como principal fator de expansão das vendas. A despesa com frete é uma das contrapartidas da virtualização do ponto de venda. Ela se torna custo na medida em que os consumidores passam a considerar que a comodidade da compra vale menos do que o valor do frete a pagar. A crise econômica e a concentração da renda nacional dificultam a redução da gratuidade do frete;
  5. Reavaliação dos contratos de B2B e As atividades em que o comércio eletrônico tem função intermediária, portanto com sacrifício da margem, baseiam-se na diluição de custos fixos, na redução das despesas com propaganda na aquisição de novos clientes e no direcionamento (preferencialmente compulsório) de consumidores à loja. Como a margem de cada contrato é estabelecida em função da expectativa de vendas e no nível global de atividades, a redução generalizada das vendas força a revisão de contratos.
  6. Paralisação dos investimentos na ampliação da capacidade de armazenamento e de aquisições.

Fernando Di Giorgi

Publicado na edição 33 da Revista E-commercebrasil em junho de 2016

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